UM DIA NO ME QUINTAL
UM DIA NO MEU QUINTAL
Terra batida, chão duro,
pés descalços, poeira,
dedão do pé sangrando, a pedra era dura...
Bambus cantavam, abóboras nas ramas rasteiras
junto com melancias e batatas doce.
Graúdos grãos de milho, galinhas e patos rondando,
ninhos no mato, ovos ainda mornos,
lagarto camaleão, bicho de pé,
pulgão na couve, bichos nos tomates, nas goiabas...
Manga rosa perfumada, colorida...
Mas o pé é muito alto.
Grilo cantando, sabiás afinando os gorjeios...
Tufos de mato alto, fresquinho, é comida do bode
e das cabras que dão o leite forte, fortalece a criançada.
Não dá pra ter uma vaquinha, a área é pequena.
E ainda tem queijo, que Dona Maroca faz com leite das cabras.
É roça? É um pomar? É?...
Não, é só um grande quintal
onde o Totó persegue o galo índio, de briga, bravo!
E a molecada atiça o gato contra o galo,
ou joga bentialtas, queimada, bolinhas de gude no papão,
roda pião, à noite fazem fogueira
com galhos e folhas secas das bananeiras de banana nanica,
É uma zoeira que só vendo...
Amanhece.
O pato do Genaro grasna ao despontar o sol.
Às seis o sol já clareia todo o quintal. Barulhos de cacarejos, miados, piados, latidos, cantos dos pássaros...
Meninada grita, balbúrdia total...
- Vô, vem vê, é uma cascavel?
- Não, fio, é só uma cobrinha verde de duas cabeças. É Inofensiva. O gato Anastácio corre atrás de um ratão enorme.
Atrás do gato, o Totó, bravo, latindo e rosnando...
No telhado da tapera, feito de sapé,
por entre os ramos, passa do fogão de lenha a fumacinha.
- Humm... Que cheirinho “bão” de café fresquinho!
Tem também broa de fubá!
- Gente! Vai ter galinha no almoço,
e tutu de feijão com lingüiça do paio no meio,
mais quiabo com angu, arroz, jiló frito, torresminho,
e aipim, anuncia aos berros Dona Maroca.
- O almoço promete, comentam...
Foi-se o café da manhã, passou o almoço,
chegou a hora do café da tarde
com direito às quitandas da Dona Filó,
sequilhos, pães diversos com manteiga caseira...
A tarde lá vem cor de fogo, sol vai baixando incendiando o céu.
A natureza toda é uma fogueira só...
Cigarra cantadeira anuncia; acabou-se mais um dia...
Novamente a fogueira é acesa com galhos e folhas secas. Todos se juntam em torno dela.
Pedrinho, um diabinho em forme de gente,
joga uma bombinha na fogueira.
O estampido assusta.
Logo depois Juquinha, que não fica pra trás,
atiça aceso um busca-pé,
que corre louco na direção da Dona Lurdinha.
Coitadinha,
velhinha, com oitenta anos, tem ainda que correr
senão o dito pega, e no fim, estoura.
Assustada e cansada, tropeça e cai,
mas não se machuca, caiu numa moita de capim seco.
Seu Miguel, sentado num cupinzeiro,
puxa calmamente uma pitada num cigarro de palha
colhida por ele ali mesmo,
escolhida, apanhada e secada pelo próprio,
que corta também o fumo em pedaços miúdos,
coloca uns tarugos numa tampa de lata, e põe na fogueira onde o fumo torra.
Depois, coloca o fumo torrado sobre uma mesa de tampo grosso,
e faz com cravos e canela na dose certa,
usando uma grande garrafa de vidro como rolo,
um rapé fino, daqueles...
A noite traz bocejos, a lua vai alta...
Meninada dormiu suja, cansada...
Os mais velhos esgotaram assuntos, segredinhos...
Jogam água na fogueira, entram na tapera de adobe, telhado de sapé... Três janelas e duas portas rústicas são com taramelas trancadas. Apagam os lampiões
e pelas frestas entre os ramos do sapé,
que está velho, precisa ser trocado antes de chover,
algumas estrelas e fachos da luz do luar ficam a ver
quando se deitam para dormir
esperando o sono chegar
e enquanto rezam pedindo pra Deus,
que o dia seguinte
seja outro dia maravilhoso,
tão parecido ou igualzinho
ao dia que se foi...
...Pelo sinal da Santa Cruz,
livrai-nos Deus Nosso Senhor...
AUTOR: Pedro Lecuona Brasil