Divagação
Mais de mim eu não aguento. Sou apenas um que passeia com a multidão. Meus passos não adiantam o relógio e nem trazem o sol. Sou tão pequenino que minha sombra não alcança o outro lado da rua. Vivo por entre a multidão. Sou, nesse mar de gente, apenas o gotejar de uma vaga e frágil lembrança.
Minhas dores não acordam o mundo. Meus sonhos não alteram a rotação dos planetas. Sou, por vários motivos, apenas mais um que transita, que se cansa e nunca se esquece: amanhã outros de mim sairão à rua e, sem saber, como eu, viverão alegrias e tristezas. Assim é a vida, assim é nossa frágil existência. Saber o quanto de mim não interfere no dia ou na noite que se iniciam, não me fazem derramar lágrimas.
Tem, por assim dizer, algo em mim que me cativa, algo que me faz avançar: sei que mesmo tão frágil e pequenino, sei que o dia de hoje teve suas dádivas, e de amanhã outras esperanças. Que elas nunca cessam, que sejam apenas utopias, mas que sejam alguma coisa que não me cegue ante a esse mundo cheio de dores e lamentos, de cegas alegrias que escondem a criança que dorme na rua. Que o prato vazio não se reproduza, que a mãe sem assistência não lamente sobre o ataúde do filho.
Assim eu sou, assim eu vivo, assim eu vou.