Sob o resto silêncio e oceanos de insanidade

Quando Shakespeare escreveu a peça Hamlet, estaria ele cogitando sobre seu espectro criativo e literário uma dramaturgia além dos significados que a mesma possuiu durante os séculos que a sucederam? Bem, a história de um homem cujo auge de sua existência é vingar a morte de seu pai. Mas para além de vinganças, contos e recantos, a história de um homem louco; assim o denominaram na peça teatral e até mesmo fora dela por aqueles que não compreenderam a complexidade que envolve ser Hamlet; pois Hamlet, um mundano qualquer, como eu, como poucos, absorvia o silêncio que nutria tornando tal quietude não como princípio, mas como exatidão essencial para sua existência. Era um ser humano ousado; possuía espiritualidade acalentada pela sabedoria de sua própria consciência, e não fugia (como todos a sua volta) clamando por fé, saúde, alegria e esperança perante um deus, que segundo Hamlet, era inexistente. Sagaz, dono de uma lucidez e claridade única ele sabia que dominados pelo caos no qual fazemos parte, ser louco era a única forma de ser sábio num mundo onde todos estão doentes.

Hamlet como todo ser visceral e íntimo de si mesmo, fez do gotejo latente que permanecia dentro das suas visões exasperadas e angustiadas - loucura eles diriam, como ponta pé para não mais aceitar quem se é. Para não apenas ser, mas para sonhar e realizar consciência. Para que no fim o resto não seja apenas silêncio. Hamlet esteve só numa prisão cujos cercos e as grades não se ergueram voluntariamente, esta na verdade, machucou mentes e corações que já se deparavam em desalento perante uma fronteira de egoísmo, arrogância e individualidade. Toda alma se encontrara perdida. Bem vindos à modernidade, diria. Daí se alastra toda a resistência sobre Hamlet.

Por isso ele se questionava a todo instante: Quando nós começaremos a ser e deixaremos de não ser? Quando nós deixaremos de disfarçar a nossa dor? O primeiro homem moderno já duvidava do falso caminho que nos era forjado e construído antes mesmo de percebermos que as estradas pelas quais andamos são escuras em seu contorno e obsoletas ao fundo. São como pântanos rodeados de lodo e névoa sem vista para uma terra arenosa. Hamlet, quando viveu o monólogo entre seu eu e uma caveira que encontrara – o insondável mistério entre vida e morte, observou que o resto novamente era silêncio. Este é o nosso fim – indagava-o, sendo silêncios. Porque se nada nos sacia e quase tudo nos aflige apenas sendo louco para que a vida nos basta. Sob o resto, silêncio e oceanos de insanidade.