ÀS QUATRO ESTAÇÕES DA VIDA CIDADÃ

A natureza cíclica e incansável, muito poeticamente, sempre nos ensaia a metáfora da vida nas suas quatro estações.

Assim, com ela aprendemos que é mister reciclar sentimentos e expectativas para entender a vida e os fatos a ela relacionados.

Aqui, muito brevemente, figuro o nosso querido Brasil mediante as nossas “estações “, as avalanches que nos soterram dentre os nossos tão tristes acontecimentos históricos, principalmente pelo fato de que TODOS acreditávamos que , enfim, um dia encontraríamos nosso tranqüilo caminho democrático depois de tão longo e tortuoso inverno.

O verão sempre nos extasia nas fantasias mais quentes e perigosas e o outono nos reporta ao silêncio das reflexões, quando refletir ainda nos é permitido.

Eu, como brasileira, sinto que paramos na plataforma dum tempo frio, congelante de nevascas sobre nossos sentimentos mais otimistas de presente e futuro, e assim, congelados, talvez não saibamos nos situar muito claramente para qual estação caminhamos, embora é da natureza humana permear sonhos duma justa, unânime e perene primavera de coloridas flores vivas.

Deve ser por essa razão que, sempre nos momentos difíceis, é preciso poetar ao mundo que não nos esqueçamos de dizer que é mister se “falar das flores”.Essa lição já nos foi ensinada...

Recentemente, no entanto, a História geral nos encenou ao mundo o ato da PRIMAVERA ÁRABE, uma primavera algo traiçoeira, que logo foi sucedida dum tortuoso e penoso inverno de frios torrenciais, cujo tétrico epílogo afunda até hoje sob o mar revolto das águas mediterrâneas.

Hoje, por aqui, sinto que estamos no mesmo movimento das nebulosas águas "latino- americanas”, em maior ou menor grau dum inverno em terra fustigada em cadeia, anos a fio, dentre um cenário histórico de águas lamacentas, podres de corrupção e enganação, cujos barcos das dores humanas e da ignorância sem limites navegam pelos mares de sangue derramado via injustiças sociais, frente a tantas vidas ceifadas de vida cidadã pelas amargas podas dos direitos humanos em massa, num cenário de silêncio fétido que sequer o pior dos invernos pútridos o caracterizaria.

Assim, também nos soa as quatro estações que Vivaldi registrou na sua música: seguimos pelas estações da vida reciclada de dores... no inexorável palco do tempo perdido.

É preciso ouvir a música que nos soa, discerní-la atentamente em todos os seus andamentos, em todos os seus “marcatos”, em todos os seus timbres, em todos os seus instrumentos, na mais prefeita orquestração de TODAS AS VOZES, e mais ainda, em todas as suas "pausas outonais", para enfim, entendermos qual é o nosso papel no contexto, posto que todos somos indispensáveis instrumentos de tranformação em toda “peça” que nos pregam e que nos apresentam em doces e ilusórias falácias.

Ervas daninhas invadem todos os palcos dos mais invernais atos dos mais tenebrosos ratos.

Mas a orquestra alinhada não pode parar...

Que nos venha um maestro capaz de nos resgatar novamente, sob uma brilhante clave de sol, às pautas das coloridas e perfumadas primaveras de Vivaldi, ainda que tenhamos que atravessar as demais e necessárias estações, ao solo mais belo dum suave violino rumo ao justo descanso social que todos urgimos...por legítimo e já conquistado direito histórico.

Que aceleremos todos os andamentos e ascendamos nas nossas escalas prioritárias!

E que ao horizonte da esperança, o lamento dum Sabiá sele nossa partitura de dores, a nos anunciar a chegada duma ensolarada primavera brasileira.

Ainda que nos seja apenas na utopia da poesia em prosa.