Vida ímpar

Esses últimos dias têm sido marcados por um turbilhão de pesadelos inquietantes na minha jornada.

A ventania da amargura catalisa o incêndio que destrói, sem pudor, os míseros sonhos que nem sequer amadureceram. E ao mesmo tempo que tento mostrar para o mundo os meus poucos minutos de tropicalismo e minhas dispersas fases de liberdade, essa efervescência de ilusões perdidas me empurra para longe da minha utopia, e esfrega na minha cara os cacos de vidro que me remontam a uma vida incerta.

Eu sempre odiei essa incerteza. Eu sempre odiei sentir muito profundamente as coisas, os pequenos gestos.

Talvez eu seja, sim, um sensível estúpido ou, até mesmo, um ingênuo babaca.

O fato é que eu nunca pedi para ser amaldiçoado por uma benção. Eu nunca pedi para sentir na alma o canto das cigarras e dos pássaros contrastando com a luz do sol que invade a janela do meu quarto, e bate no meu rosto, dizendo:

-É hora de levantar! O mundo precisa que você acorde. Tu sabes que a vida é uma máquina, e que és apenas um parafuso que sustenta os pilares de uma realidade imutável.

Levanto-me e lembro que travei uma guerra com cem demônios. Derrotei noventa e nove. O único que sobrou apoderou-se das minhas 'serotoninas' e 'dopaminas'. Autoparasitismo!

Tornei-me meu próprio escravo. Talvez a morte seja a única libertação para um escravo rebelde.

Mas, mesmo sabendo dos adereços que me caracterizam e do ''byronismo psicossocial"que me assola, eu sempre gostei de acreditar num idealismo sinestésico, desses que fazem a gente flutuar num mundo onírico cujo único horizonte é o Nirvana.

A verdade é que a vida brota num riacho e percorre caminhos obscuros em meio a florestas perigosas e vazias.

E escuto o barulho do respingo da pedra que bate na água, e sinto a euforia dos peixes batendo as nadadeiras contra a correnteza, e observo a tempestade que chega, transbordando o riacho, aniquilando futuros.

É assim que a vida prossegue: mesquinha.

Imortal.

Ininteligível.