CHEGOU O TEMPO...

C H E G O U O T E M P O

Chegou o tempo de colher os frutos. Resguardar os de vez, doar os maduros, desfazer-se dos podres...

Chegou o tempo de águas passadas novamente moverem o moinho...

Chegou o tempo de aceitar que já não tens mais condições de executar as mesmas façanhas de sempre; atrevidas, corajosas, valentes com mesmas agilidades e otimismos. Agora, só te restam lentidão e preguiça, juntas doloridas, que reclamam...

Duras verdades, mil saudosas lembranças...

Chegou o tempo de aturar tua imagem no espelho, contar as rugas por onde o tempo trafegou.

Muitos vincos, muitos vínculos...

Chegou o tempo de não chorar tanto a morte dos antepassados.

Chorarás muito mais pelo futuro dos netos obrigados a esse mundo sórdido, imundo...

Chegou o tempo de tomar ciência de que não há mais tempo para idealizar um ídolo, nem ser um. Já foste o que foste ontem, anteontem...

Chegou o tempo de sentar-te num banco da praça, pensar, pensar... Meditar muito sobre quanto tornaste imenso ou ínfimo teu olhar...

Chegou o tempo de dialogar corajosamente contigo, de ver-te quanto e como te construíste, ou te destruíste, tudo que construíste ou destruíste,

reavaliar teus valores... Não há mais tempo para refazer as paredes, os revestimentos... Os alicerces então...

Chegou o tempo de mirar o relógio o menos possível,

se esquecer das horas poucas que te sobram. Os ponteiros do tempo já correm muito mais velozes...

Chegou o tempo de aceitar teu corpo cansado, tua saúde exaurida, teus membros doentes,

tua mente alegórica, teu coração frágil...

Chegou o tempo de ver tua companheira tosca também, por ver seu tempo também chegado, sua figura semelhante à tua... Dividir com ela cuidados recíprocos,

lamentações, lembranças, realizações, legados... De tanto conviverem juntos tornaram-se semelhantes! O amor platônico, hoje jaz lá nos muitos anos passados... Ora há outro amor os unindo, que chamo de amizade senil: Essa necessidade de ambos se olharem, se cuidarem... E necessitarem de quem os cuide.

As cumplicidades, companheirismos afinados ao longo de tantos anos juntos...

Chegou o tempo de também alegrar-te, pois deixas boa estirpe.

Teu DNA será preservado, repassado por bons DNAs a outros bons DNAs ... Orgulha-te disso!

Chegou o tempo de olhar ao derredor e sentir saudades pelas ausências dos teus. Tornaram-se estrelinhas lá no céu de Deus...

Chegou o tempo de comparar-te à fruta madura ao relento na ponta de um galho desfolhado,

vulnerável e pouco resistente às intempéries e aos predadores...

Chegou o tempo de saber que a realidade brutal da escassez do teu tempo na Terra é dura realidade. Terás todo o outro tempo sob a terra...

Chegou o tempo de não ser tão pessimista nem tão otimista ao imaginar que, deixar o planeta não deverá daqui a pouco, mas, poderá ser daqui a pouco...

Chegou o tempo de ter a coragem de encarar o Criador!

Ouvir Dele a Sentença Eterna! Saber se Seu polegar apontará para cima, ou para baixo...

Chegou o tempo de não deixar-te ser apagado das memórias dos que ficarem mui rapidamente, nem que tua ausência possa ser festejada. Tens pouco tempo para reler e retocar tua história.

Escreva depressa tua biografia, e se tua verdadeira história estiver incompleta, nela acrescente algo que por ventura tenha faltado,

mesmo se a tornas em só numa discreta e mentirosa estória...

Chegou o tempo de brigar com a vida,

de obrigá-la a não deixá-lo!

Logo ela, que viveu contigo a vida toda...

Deve ser a mais intensa sensação de abandono,

pois com indubitável certeza, será para sempre...

Chegou o tempo de aceitar que aquele jazigo perpétuo, abrigo dos teus, não será só local para visitar, orar, se confessar,

pedir perdões, meditar... Será eternamente, enquanto teus restos durarem, teu derradeiro endereço, teu único espaço, tua última posse...

Nas memórias serás só, quem sabe, uma memória! Depois, um retrato empoeirado esquecido sobre uma mesinha solitária, num canto qualquer de uma sala vazia...

autor - Pedro Paulo Salomão - nome artístico: Pedro Lecuona Brasil

PEDRO LECUONA
Enviado por PEDRO LECUONA em 26/01/2016
Código do texto: T5523580
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