Discutindo a relação com a vida
Dona vida, chega mais, senta aí, vamos dar um trato na nossa relação. Tem dias que te vejo fria, indiferente, como se, de repente, nem gostasses mais de mim. Lembro nossos primeiros lances lá início quando ainda fedelho, você me fez crer que jogaria na seleção, francamente!
Adiante, adolescente, me colaste na face uma timidez tal, que escrevi o que deveria ser dito. Não foi bonito, até porque, ela mostrou minha nudez para outros. Que papelão, hein, dona vida?
Depois, contudo, me deixaste conhecer o sabor da maçã, da pele, do sal... não foi mal, mas eu tinha sonhado eterna doçura. Pensa que esqueci quantos anos na academia dos desenganos me fizeste puxar ferros? Dizem que isso robustece à alma, mas nunca quis ser um Rambo, tão somente bastaria não haurir um destino tão molambo.
Quantas perdas, de ingenuidade, de fé, de dinheiro, nos maus caracteres que deixastes cruzar em meu andejar! Lembra quando me fizestes crer que o Lula era um cara decente, salvação da nossa gente? Podes dizer isso novamente? Por que você inverte a pirâmide, colocando os dignos trabalhadores, os honestos, na base, e os párias ladrões e mentirosos, no topo?
Certo, na tua escola, também fiz males; feri nesse meu gênio intempestivo, e imaturo, pessoas que, se pudesse volver, jamais o faria. Seu Príncipe, depois que veio pra mim, me ensinou tanto...
Mas tens um lapso comigo no coração. Me fizeste feiticeiro trapalhão, com dons para a poção de amolecer vários, menos um, coração. Assim, me cercas de candidatas a amantes, e me privas sadicamente da amada...
Agora, a cereja da torta: certo sábado, malgrado ser de descanso, eu capinava minha horta; mandastes um fedelho da Universal me oferecer uma fitinha “da proteção Divina”? Porra! Que falta de noção, dona vida! Ah, disse que devo colocar no pulso e ir na igreja amanhã, para que seu “pastor” corte-a, tirando assim mal de você; digo, da minha vida. Você bem que merecia essa humilhação; mas não farei, por respeito à nossa longa relação.
Pensando bem, malgrado tantas páginas com borrões, fruto de minha inépcia, você não tem sido assim, tão má. Se me fizestes capaz de enjaular maus instintos, e sorver o vinho tinto do discernimento, para ser duro ou brando, conforme a real; ter um canhão que aponta contra hipócritas, e apreciar uma calhandra nidificando no beiral...
Quer saber, foi mal; eu estava excitado pelos fatos, mas, olhando antigas fotos, rememorei seus ternos cuidados, e os arados que evitei, quando não devia.
Dá cá um abraço, desculpe; você não me deve nada, antes, eu que tenho falhado contigo. Que a morte enfeite-se para outros, não tenho um caso com você, você é bem mais que isso, você é minha vida.