Pobre menina rica

Você não tem mais segredos para guardar. Então, princesa, jogue fora seu orgulho e seja humana. Jogue na lata do lixo seus lindos dias de festa, bebida e futilidades e vá ao encontro da rua. Vá à rua e descubra o quanto a vida é dura; não chore, melhor, chore suas últimas lágrimas, porque na fria noite elas congelarão. Se sentir o estômago reclamar comida, lembra princesa. Lembra de quantas vezes você, somente por capricho e um certo prazer no olhar, jogou para os “porcos” – era assim que você se referia a seus empregados – verdadeiros banquetes, apenas porque o talher de prata estava do lado errado da mesa? Lembra quantas vezes, dias e noites, você passou pelo mendigo e riu da sua musculatura frágil. Você ainda tomada das manias típicas de criança mimada, não via, embora, já não sendo uma criança, você não via que aquele esquálido ser, com os olhos, lhe pedia apenas, uma migalha que fosse, pão! Ah, minha querida, não queria falar assim com você, mas, se esqueceu quando eu dizia que somos todos iguais? Esqueceu quando eu dizia que o frio e a fome não eram para ninguém? E você, minha pobre criança, ria e mostrava a língua para aquela criança que esmolava, quase sem vida, com suas mãozinhas estendidas, a pele e osso, e você, impassível ria, ria tão alto que ninguém deixava de olhar para você, linda e vestida com os mais belos cortes comprados na rua mais cara de São Paulo. Pobre menina, pena que chegaste até aqui. Pena que a vida lhe pregou uma grande e dura peça. Você não tem mais segredos para guardar, seus amigos se foram. Se te vejam, viram de lado; eu sei disso. Eu sei que dar às costas é o nobre ato daqueles que ignoram a dor do desprezo. Eu sei, minha pálida criança, que quando se entra no covil uiva-se para a lebre em sinal de poder. Agora, minha pobre e doce menina, junte-se a nós; para eles não existimos, você não existe. Venha, encoste junto a nós e se aqueça; a noite vai ser fria. A branda noite dos tempos em que você tinha à disposição felpudos travesseiros e colchoados feitos de linho egípcio, esses tempos, minha doce criança, minha pobre rica criança, não existem mais. Venha, venha, encoste-se junto a nós e se aqueça; a noite vai ser fria.

PS: texto feito a partir de Like a Rolling Stone - de Bob Dylan