Papai me levou ao psicanalista
Um aperto de mão de leve e com a esquerda, um meneamento coma a cabeça para adentrar e a mão direita esticada direcionou-me para o sofá ao centro. Parecia algo ensaiado, devia fazer com todos que ali adentravam.
Não gostei do aperto de mão e ainda de esquerda, para mim era ofensa mesmo, prometi que da próxima apertaria suas mãos pálidas delicadas com uma força tal até que venha a mim censurar com alguma palavra: sempre me esquecia.
Um silêncio irritante, até o ar condicionado gélido e detestável fazia mais barulho que nós dois juntos. O máximo que podia ouvi-lo dele era o pigarrear, imaginei que fosse o cigarro e notei que entre o dedo indicador e o dedo direito dele era um tanto quanto amarelado: nicotina.
De uma hostilidade sutil se mantinha, quanto tempo permanecia ali quieto sendo analisado, perguntava a mim, eu que nem relógio usava presumia então do tempo que havia decorrido que estava próximo do fim.
Meus pensamentos cochichavam baixo, preferia manter a boca fechada, era melhor parecer um idiota do que abrir a boca e acabar com essa dúvida.
Os olhos dele me fitavam com umas sobrancelhas bem arqueadas, me convidavam para me delatar, pareciam crianças insistindo para brincar na rua: recusei.
Pacientemente anotava, e para sua surpresa saquei do bolso da calça um bloco de papel e também uma caneta no bolso da camisa como era de costume carregar, resolvi também fazer minhas anotações. Em uma certa distância notei um certo desconforto e indignação da sua parte, mas nada se manifestou.
Expus tudo naquele pedacinho de papel, o que pensava vinham como torrentes d’agua, já era a terceira sessão de um silêncio infindável e aquilo para mim era entediante, era mais proveitoso jogar búzios ou ler tatot do que insistir com uma ciência decadente defendida por muitos, tudo aquilo não passava de filosofia, sim a psicanálise é de fato uma filosofia.
Freud copiou Nietzsche e se negou a confessar, mudou e acrescentou, saiu como o melhor da classe, é tipo o Afonso do colégio, ele é astuto, quando a professora faz uma pergunta ele de imediato não responde, ouve quem respondeu baixo e reforça a voz levando o prêmio, o prestigio. O Afonso é Freud, é foda, só não tem pacientes e uma clínica como essa.
Coloco as anotações na mesinha para amarrar os cadarços, logo em seguida me assusto com uma voz austera anunciando o fim da sessão por hoje. Saio da clínica comparando mentalmente os psicanalistas aos padres, ambos exercem a mesma função, só não recebe dinheiro, as pessoas os procuram pela ideia de culpa na certeza de se eximirem disso, recebem recomendações de orar 7 ave-marias 7 pai nossos e prontos.
De quantos segredos aquele homem devia guardar? Mas seus próprios segredos deixam tão expostos, não era difícil notar que ele tinha uma certa aversão por óculos, preferiria apertar seus olhos para ler os rascunhos escritos do que colocar seus óculos diante de um paciente, como se isso não fosse denunciado pelas marcas dos óculos no nariz entre os olhos, e o cabelo acima de suas orelhas pelas pernas dos óculos deixavam onduladas. Seus cabelos lisos penteados propositalmente para um dos lados escondia um princípio de calvície, o que era normal.
Em casa sentei-me a mesa, quis pôr a limpo algumas ideias, tateei os bolsos da calça e não estavam, nos bolsos da camisa também não, fui acometido por um calafrio que começou dos pés à cabeça, deixei as anotações na mesinha da clínica, agora próxima sessão não será mais um silêncio, será um debate.