As noites são de anseios distantes

Dessa vez era a noite que percorria o asfalto frio.

Havia aqui perto um orelhão em que as crianças brincavam nas manhãs primorosas

Uma senhora com mais de oitenta anos solitária e confusa na calçada

Alguns passarinhos em cima dos fios elétricos dos postes

Um bar de bêbados desolados próximo à igreja

Uma praça de bancos vazios

Cães bebendo esgoto e fungando latas de lixo com fraldas descartáveis

Uma mãe viúva pálida, desprovida de vigor, amamentando o filho cheio de lombrigas sentado no chão, encostada na parede de uma loja de grife pedindo esmola. O tapete de limpar os pés era mais visível que eles.

Reflexos súbitos vaguearam minha cabeça.

Numa dessas cidades grandes pessoas sem asas saltando de precipícios.

Ao pé da cama outros chorando sobre fotografias rasgadas e saudades.

Os maços de cigarro de nada mais serviam.

As noites são de anseios distantes.

A bailarina na cabeceira da cama dança sozinha.

As flores lá fora se rendem ao canto dos ventos e desfazem-se de suas pétalas.

A porta entreaberta está à espera de quem não virá.

O rosto saudoso abre um sorriso ao lembrar-se do beijo que nunca houve.

Os braços abertos esperam um abraço que não quer acontecer.

E a distância incha as paredes do coração que lateja já sem espaço para as dores. E sufoca-o.