Eterno Retorno
Quanto ao tempo,
tenho uma memória insistente da ocasião em que, molhando pão no chá, minha avó
trazia até minha boca doses de afetos inexprimíveis.
Não é raro, quando penso nisso, que questione o passado, presente e futuro.
Volatilizar memória é de alguma forma trazer novamente as coisas à existência.
Minha avó existe - fora da vida?, me pergunto - no instante em que escrevo estas linhas.
Também, do que quero para o futuro,
tenho planos mirabolantes de um sucesso gentil comigo e com os outros.
Disseram-me que herdei-lhe a gentileza.
Não nasci algoz de ninguém mais, mas, de mim,
e se me furto do presente,
presente no passado, presente no futuro, sou menos do que minha potência permite hoje.
A alma desligada do corpo, coisa de viajante do tempo,
é nostalgia e esperança, é
o tempo de saudade que não se mata, é o legado do que se quisera indulgente.
Espero por um poema bom, pelo menos. As palavras chegam arredias,
o tema me olha de cima, consumindo minha juventude.
Tempo é coisa para os filósofos (ou para os ousados).
Vovó dizia que mais informavam os riscos no rosto do que as badaladas do sino da igreja.
Podem porventura os ponteiros do relógio dizerem as horas para si mesmos?
Imerso na temporalidade, ser percipiente,
às vezes, desconfio que Deus exista.
Quero, portanto, fazer as pazes com a morte e não espero recompensa
depois dela.
Se a vida for eterna, abro mão, não porque seja infeliz, sou alegre como pode ser quem sabe,
mas, porque
quero a vida do instante, com a pretensão de que ele não termine.
Tenho esta vontade,
e de minha vontade procedem aves e Marias (uma delas minha avó);
faço orações ao tempo.
Agora mesmo estou ajoelhado, clamando.
Não peço compreensão.
Quero a vida dentro de mim e a alma no mesmo lugar
Quero-LHE:
AGORA!