Decesso: puerícia
Havia nos meus olhos lassidão no dia em que encontrei Deus, pois sucumbem os ânimos irretratados com Aquele. Encontramo-nos por acaso, e foi nosso encontro fortuito, feliz como permite a contingência vez ou outra. Tinha o cenho franzido na ocasião, que é como as testas se comportam no enredo dos rostos daqueles que ainda não encontraram Deus. Digo isso sem ufania, porém, sei de meu semblante apaziguado depois do encontro com o Senhor. E é claro - obviamente não tão claro quanto depois daquele momento em que tocasse o divino, mas mesmo assim - que são rígidos os rostos antes do achamento do Altíssimo. Assim o são porque são oblíquas as perguntas nos assediando sobre Ele, e mais importuna é a ausência de respostas.
Quando encontrei Deus não O procurava, contudo, devo advertir não tratar-se de mera epifania. Em parte, talvez O tenha intuído. Tenho a intuição como constituinte não apenas do instinto, coloco-a debaixo do guarda-chuva da fé. Muito do Soberano, do que a mim se revelou, acredito tê-Lo encontrado em momentos anteriores, especialmente nos livros seculares, na filosofia. Ao que Deus apresentou-se, finalmente amalgamaram-se em mim, microcosmo, as parcelas do Santo.
Depois de tê-Lo procurado tanto em todos os lugares, fora do corpo - estupidificado, pois cria que não habitasse em iniquidade. Após haver desistido, porquanto nasci selvagem, quiseram-me dissociado também de minha natureza, encontrei-o nos gestos de minhas mãos.
Deus estava assentado nas dobras de minhas palmas. Singelo. Entrara pelas pontas de meus dedos. Não temi!
Logo, tomou-me por inteiro, porque Deus, como o soube então, não se recolhe do que se diz pecado. Em verdade, do que sei desde quando chegou, Deus não faz outra coisa senão reconciliar-nos. Em diversas ocasiões, sentamo-nos a beira do abismo, lugar que descobri favorito de Deus - o Verbo aprecia a vertigem, torna-se criativo -, e longamente celebramos a paz que emerge da virtude. Deus admirou-se de minhas agruras, sem presunção nem arbítrio, porque é piedoso.
Tem estado comigo desde então. Voto que mor(r)emos juntos! Hoje, corre Deus por minhas veias, e sei precisar quando alcança meus olhos. Enxergo com nitidez absoluta tudo a que aqueles, os quais dizem estar em posse de d’Ele, não poderiam. Mas, sinto sobretudo amor. Deus me ama muito, e eu a mim e a Ele novamente. Estamos fundidos, transversais, de mesmo sexo. Não imagino ser simplesmente bem-aventurado, dado que Ele vive dentro de mim, acho mesmo que sai da infância.