O TROCO
Cinquenta centavos
Nos idos da era de nosso Senhor Jesus Cristo
Eu meu pai minha mãe
E meus três irmãos,
Morávamos na cidade ribeirinha
A margem esquerda do velho Chico,
São Romão.
Época em que o café
Era torrado em casa
Grão a grão,
Adoçado com rapadura,
Depois de várias fervuras
No fogão,
Não havia gás era fogo de carvão.
Dos diversos afluentes
Um era de muito gosto da família do Senhor João.
O Riacho como era conhecido.
Qualquer folga
Arriava a charrete
Atrelada ao quarto de milha
Para o passeio no riacho.
Tudo pronto.
Certo dia,
Na saída faltava o café em grão:
Como de costume
Sobrava a tarefa
Para o primogênito
Buscar um quilo cru do afrodisíaco café
No armazém do seu Mané.
O preço na época
Um cruzeiro e cinquenta centavos.
Mamãe a tesoureira,
--- Toma o dinheiro Tarê!
Uma moeda de dois cruzeiros:
Um pulo lá outro cá.
Na pressa do passeio
A ida ao riacho,
De águas limpas
E peixes a vista de toda a espécie,
Pois era um verdadeiro
Criatório do velho Chico.
Para um menino
Da cidade grande
Um paraíso.
O troco
De
Cinquenta centavos,
Na pressa,
Sumiu na areia.
Até hoje não o encontrei.
Mamãe a tesoureira do lar:
Morreu aos noventa e dois anos
Exigindo sempre prestação de contas:
O troco.
Não foi diferente
Naquele dia
Em 1948.
Sem o troco.
Além de levar cinco chibatadas
Ficando com as pernas marcadas
Deixaria de fazer o passeio.
... Ora, o tempo urgia.
Era costume,
Hábito que herdei,
De guardar moedas
De troco
Em um bolso
Num paletó velho no guarda roupas.
Fui até o bolso.
O cofre do tesouro
Apossei-me da moedinha
E fazendo tudo direitinho.
Entreguei o quilo de café e troco,
Uma moeda de cinquentinha.
Lá fomos todos alegres
Sorridentes como de costume
Para o inolvidável passeio.
Voltaríamos para o almoço.
Salada de maxixe,
Ovos fritos arroz e feijão.
Foram as ordens
Á ajudante de cozinha.
Essa até hoje tenho lembranças.
Puri bem puxada
De cabelos crespos
Avermelhados
Dentes claros
Que ressaltavam ao falar.
Havia visto
Eu pegar a moedinha,
Alertando não falo agora,
Mas falo depois.
Promessa cumprida.
Chicotadas dobradas,
Dez chibatadas,
Pernas roxeadas:
Óbvio todos da cidade sabiam
Da severidade.
Exemplo de educação
Na época.
Mamãe mato-grossense.
Dizia que na sua terra
Que também é a minha.
---Um mal feitor dessa ordem
Sai amarado pelas ruas
Ao toque de tambor
Para anunciar o mal feito.
Noutros países
É pior, cortam os dedos,
As mãos.
Que lição.
Bendita lição.
No curso da vida
Em montanhas de dinheiro,
Nunca usei o que não é meu
Por trabalho,
Suor
E abnegação.
Obrigado a meu falecido pai,
Obrigado minha mãe.
Salve a Santa Puri
Do sertão.
Belo Horizonte, 09 de setembro de 2014 – Atalir Ávila de Souza •.