Matança de sódio.

Escrevo de novo. Preenchi, nas últimas semanas, cadernos de desenho com os sobrenomes de Cícero, com teorias de plantações e emblemas agrícolas - eu poderia plantá-lo. Eu confio em sonhos. Os vivo e durmo - enlouquecendo; a terra comendo os pés merece a pior gorjeta. Na verdade, eu fumo na praça das igrejas todas as tardes. E também lá mergulho; não com a cabeça - mas molho as orelhas. De algum lugar devem nascer os sons limpos, de gotas, de fossas - ainda que as inveje. Sim, isso começou em uma clínica; eu adorava fingir um tipo de comunhão; levei todos os meus livros - os que consegui enfiar sob a blusa de frio - e me achei nessa (suposta) posição heróica. Aí, eu só pensava em escrever, enquanto mantinha cartas na cabeça; cartas que são narradas nas moelas do vento. Eu ficava bem, enquanto concentrava as forças nos jardins e pensava em fóruns. Um tablóide policial de meras façanhas - o meu tempo era vago; as fontes permaneciam atrás da capela. É, existia uma capela. Não que isso interesse, porque eu nunca a abracei ou tomei por voto os meus intintos necessários pra ser salva.

Minha psiquiatra gosta de me ouvir falar sobre salvação - diz que eu falo bonito, que eu trago uma fé imaginária e que eu nunca poderei parar de fumar. "O que lhe resta é a asma e o senso de desgraça"; o "restante". Escrevo de novo, pra que não reste, pois eu sei que nunca deixarei de fumar e a fé não me invade da mesma forma com que os evangélicos são dominados por demônios - não são? Eu poderia ter sido assim - não sou? Ela, a psiquiatra, também diz que eu deveria tomar conta das minhas doses. Fala como se elas fossem minhas filhas. Filhas pequenas, "filhas-de-palma-da-mão", "filhas-de-solidão", "filhas em 1/2 dose" - pra não me perder no escuro. Eu as deixaria chorar. São elas que me calam quando eu choro; filhos jamais calam os pais. Nunca fui mãe, afinal.

Hoje, são dez noites após a minha última contagem - meus pensamentos não estabelecem números; minha concordância é péssima nesses sentidos. "Minhas últimas contagens" - há quem não entenda que as coisas possam ser separadas: ditas em sequência e pensadas. Analfabetismo proposital, talvez. Palavras de "muitos" falando sobre o singular, trituram e quase não sangram. É um estilo interessante. Todos cospem caramujos no chão. É um divertimento. É uma pescaria em um navio; estou em pé sobre minhas próprias costas, avistando as rochas que ameaçam esmagar a minha cabeça como um Titanic perdido na calvície do desespero. Surfo em meu próprio corpo, tenho uma visão panorâmica e pesco a saliva alheia como se fossem caramujos. Os únicos que podem esconder-me num disfarce. Nada é vivo o bastante que não esconda a morte. Uma pele, uma cauda, um certo tipo de paz, um vespeiro... Nada tão viscoso permanece à mercê de gargantas salinas. Eles derretem, os caramujos. Um mínimo detalhe. E no límpido, no maior degrau de visão, eu salivo como se fosse o mar. A enganação é conter-se no pensamento daquela internação. O sofrido e gordo Diabo - e também o mais presente e gentil (qualquer coisa)...

Dane-se! O caramujo fui/sou eu, e de minha própria cabeça, mergulharei no mar - não mais meu.
 
Lainni de Paula
Enviado por Lainni de Paula em 07/12/2015
Reeditado em 07/12/2015
Código do texto: T5473274
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