Vivendo de Restos
A minha liberdade outorga visão ao cego: masoquista, instintivo, libertino, sou eu, um pulsar livremente aprisionado, um escândalo para a escuridão dos olhos. De manhã o dia fornece seu calor gélido do sol, e eu saio caminhando pelas ruas da minha alma enquanto vejo a cidade congelada em sua paralisia agitada, antropomorficamente preparada para o fracasso vencedor.
Na minha pele os sulcos da tristeza já fizeram morada, e os poços da alegria já secaram, de modo que já não me importa me importar com alguma coisa, e eu vou vivendo de restos, dessa minha liberdade tão dos outros...só me resta seguir incompletamente preenchido, alegremente triste, vulgarmente santificado, santamente vulgarizado.
A minha liberdade vai dar no mar, vai dar no deserto, vai dar igreja, vai dar no cemitério, vai dar num fúnebre céu festivo.
Não sei se chegarei primeiro ao meu fim ou se meu fim vai chegar primeiro, mas vou chegar, mesmo não chegando; eu vou estar lá, mesmo não estando, afinal, mais vale a inexistência da minha liberdade real a realidade da minha liberdade inexistente.