LÁ VEM ELA

Por: Anderson Du Valle

Na madrugada da tarde em tom de ameaça, os estampidos coloridos rasgam o céu de Belém.

Não é a típica de sempre, apesar de conhecida também, embora lhe roube o apertado da hora, apressada a velha senhora, se espalha por ser de casa. Chega com absoluta revolta por não ser tão constante, é bela e incontestável e alucinante, nada a segura quando teima em chegar, se alastra em “gotões”, tal bagos de cupu, dói no lombo; corre menino, voa anú, torrentes de andorinhas como formigueiros a se dispersar, dado o repente absoluto de seus jatos invasivos, insinuantes, constante e lascivos, impossível não se molhar. Quando arrebenta o primeiro “papôco”, é um corre-corre muito louco, uns pra dentro da casa, outros em direção ao varal, a cachorrada pra padaria, os moleques pro lamaçal. Na esquina D. Maria, crente de mãos de fada, empurra o tacacá da biqueira, não se pode perder nada, tampouco desandar a iguaria.

Cinco minutos depois arrefece extasiada, chora tranquila como sussurro, muda de nome a danada, agora se chama molha-burro e com toda melancolia, traduz a tarde em preguiça, o sono em pungente cobiça, e a rede em melhor companhia, depois do açaí então... não há melhor serventia. Agora arregaça a bainha da calça, até a correnteza passar, verdade que nem só de chuva vive o riacho, alguns objetos vem água abaixo, coisas pitorescas boiam por lá, uma bota, um chocalho e até um sofá.

Alguém não se preparou pra enxurrada que veio, atingindo o da ponta, atingindo o do meio, ou não entendeu essa vivência morena de feição singular nascida pródiga às margens do guajará, que permanece linda, imponente e serena. Encantadora Belém do Pará.