Abro a janela que nunca fechei, abro-a em desacordo com o vento, em concordância com alguma aragem que resta no coração. A palidez do lá fora me tonteia; pássaros emudecidos alinham-se em entibiamento num voo sem sentido. Tudo que escrevo é uma trilha de fumaça riscando o espaço para dessentir a angústia; descreio-me cotidianamente, minhas sombras aniquilam o que eu poderia ser, sensações de lembranças embotadas acendem um pavio frouxo a “um quase lá”, a um quase qualquer coisa, a uma estória sussurrada por uma língua acéfala. Escondo-me de o que quer que exista, saio de mim para lugar nenhum, para uma neutralização... como há de ser isso? A não existência me é inimaginável...
A extensa linha de fumaça é um espelho catártico para o qual não olho; imagens instantâneas de uma realidade que me atinge pelas costas, passagem de uma chuva franzina que não passa. (... húmus, humanus, exumar). Penso em sentir a vida, sinto que pensar em senti-la é negá-la claustrofobicamente. “Universo regido pelo eu somático, como não ser cego o suficiente para crer no que não apreendo, como colher o que plantei quando eu não me colhia? como, na estiagem dos sonhos, minhas sementes cobiçaram terras quando abismos corriam sob os meus pés?
O estar seria diferente se eu tivesse amado sopro que me negava o lá fora, creio que a sabedoria dos ventos era o mais puro que me havia. Ao longe, com os olhos esgotados de brumas, avisto um pássaro rastejando acordes melancólicos, sustenidos fúnebres colhidos próximo à Fronteira.
 
Ana Liss
Enviado por Ana Liss em 03/12/2015
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