Experiência com o cogumelo mágico!

(décimo primeiro relato)

Fazia mais de um mês que havia tomado a última vez com Rogério em Pipa. Desde então havia me preparado permanentemente para reconhecer a luz interior, o caminho do autoconhecimento e a leveza de espírito. Foi um processo de vida nova, menos alimentos agressivos e uma rigorosa atenção aos perigos do meu ego: Uma vez conectada com a rede harmoniosa da nossa verdadeira essência, vi claramente o quanto o ego nos distancia dela. O ego nos faz criar ilusões nas quais a própria vítima ensimesmada é cega. De forma que sentir medo, raiva, ciúmes, desejos e tantos outros sentimentos presentemente vividos se instalam dentro de nós e vai adoecendo o corpo e a alma. Percebê-lo assim, como não fazendo parte de mim, evito chagas internas (que também exteriorizam no corpo) e me mantenho melhor em autocontrole. Essa adaptação lenta e trabalhosa, mas também muito interessante, é compensada pelo estado em que todas as pessoas procuram: A paz. A serenidade. O amor. A vida plena. A essência. A verdadeira felicidade!

Eu já vinha na constante do fluxo para a espontaneidade guiar até a oportunidade, também havia recebido (no olfato) um convite: o cheiro forte de cogumelo, uma semana antes, quando fazia um suco de maracujá na casa do amigo Teo. O dia seguinte do meu vigésimo sétimo aniversário era um domingo, e Teo me ligou sugerindo uma praia. Ele nunca havia tomado mas há algum tempo mostrava interesse em provar. Eram quase duas da tarde e fiquei empolgadíssima com a ideia de tomarmos naquele dia, tudo conspirava bem. Chamei Juan e fomos os três.

Na semana antecedente muito confabulamos a respeito da saudade e até certa necessidade de tomar novamente. Tainah, Gil e Kaki pareciam especialmente interessadas. Durante as conversas me limitava em dizer que estávamos munidas, mas não podia ficar sempre sozinha na organização do dia, trabalhava individualmente pensando no coletivo e assim disponibilizei a oportunidade, bastava que propusessem o dia para a participação. Quando confirmei com Teo o dia parecia perfeito para todos. Falei para minha irmã Tainah sobre a praia, tão entusiasmada e feliz, e ela nem pareceu sobressaltar-se ao convite, ao contrário, me olhou meio entediada e deixou escapar um leve desinteresse por meio de uma desculpa qualquer. Liguei para Olavo que prontamente negou a mínima pretensão de provar. Falei com Gil, parecia contagiada pelo mesmo marasmo de preguiça, falou que estava lendo e desejou que tivéssemos uma boa “trip”. Kaki sequer atendeu ao meu primeiro telefonema e uma hora depois, quando enfim atendeu, com a voz ainda mais embargada de indiferença, falou simplesmente que iria dormir e não deixou nenhuma abertura para insistências, também não estava disposta a fazer isso já que a reação em cadeia me pareceu que a facilidade do acesso ao cogu causou, consequentemente, uma desvalorização a até banalização do ritual. A princípio fiquei um pouco desapontada com o desânimo das três, anteriormente tão interessadas, mas logo entendi que tudo acontece com algum propósito. A consequência da escolha delas foi deixar de participar de um momento eterno, no qual eu, Juan e Teo desfrutamos, fantasticamente.

Teo parou o carro na feirinha de Pium-RN e compramos algumas frutas (laranja crava, uva roxa, banana...) e tomamos água de coco para substituir o almoço. Mais a diante estacionamos em Cotovelo, e em cima da falésia, onde a vista contempla uma exuberância de estremecer a emoção, coloquei dois gramas de cogumelo triturado para cada um com água mineral; brindamos, fiz uma breve oração de agradecimento e tomamos. Seguimos a mesma trilha até a prainha, lugar já adotado para os encontros pela beleza e privacidade.

Havia alguns pequenos grupos de pessoas, todos em descontraída harmonia. Despejamos nossas bolsas sobre a canga. Fazia dias que ansiava pelo encontro sagrado com o mar, logo entrei nele. Não sei quanto tempo fiquei brincando, boiando, em estado de não preocupação, já que não existe problema algum na vida. Nessa libertação de parâmetros sociais ou qualquer outra tolice, o entendimento se faz claro e todas as incessantes perguntas do mundo são respondidas de forma surpreendentemente lógica, daí se conhece a mais completa lucidez, tão simples e dentro, ao mesmo passo que torna ‘inacessível’ a maioria (cega, adoecida e encarcerada), porque a verdade é desvestida de conceito, filosofia ou moral, de preconceito, restrição ou julgamento. Essa lucidez é tão forte que o espaço, tempo, vida e morte tornam uma só essência, cíclica, magnífica e absolutamente esclarecedora!

Depois de longos instantes (conversas internas e externas com o céu, um bilhão de aspectos indizíveis) sai do mar e me deitei na areia. Sentia toda a vibração vital e fluxo do sangue na mesma extrema velocidade em que tremia meu corpo. Na região do estômago uma força centrava poderes umbilicais de estar ligada diretamente no todo. Eu ria, me deliciava com a sensação de me ser por tão completo, que era como uma aparição de ausências, ou quem sabe, um conjunto de deuses que tomavam propriedade do meu corpo e mente. Começava a possessão e eu me entregava totalmente sem medo ou apego. Concentrei ao máximo, respirei brandamente pelo diafragma, juntei minhas mãos e não tardou a acontecer o transe. Lá estava em minha retina a rede caleidoscópica em forma de flores e energia. Eu entrava nas formas e luzes facilmente, é o estado da meditação atingida sem qualquer técnica. Teo ao meu lado, deitado na areia com as pernas cruzadas em lótus, tinha um aspecto brando e ainda mais bonito. Algumas pessoas passavam, podia sentir que me olhavam curiosas ou julgadoras, mas eu apenas ria com amor, elas não faziam ideia do quanto eu as amava, estava livre e não me preocupei em momento algum com a exposição da minha felicidade.

Juan esteve a maior parte do tempo sentado na canga, sozinho. Fui caminhar com Teo em busca da subida da falésia, aonde geralmente vou me encontrar com o silêncio. Algumas pessoas se divertiam em família, e dois casais em lugares distintos se enamoravam. Chegando ao local conferi que não havia mais como subir. A transformação e erosão natural deixou um muro alto de terra no inicio da falésia, de forma que impossibilitou a subida. Sentamo-nos perto dali, tinha uma irresistível vontade infantil de pular, dançar, correr pela areia. Abracei a falésia longamente, passei sua argila no corpo e rosto, ria demasiadamente com Teo, justamente porque ele ria de mim. Dizia que eu era engraçada e concluía: “você está certa, seja feliz!”. Meu sorriso não cessava, meu passo não controlava, corria ciranda pela praia, numa felicidade ingênua de ser a dona do mar.

O sol já ia se despedindo e fomos à busca dos últimos raios. Estranhava meu andar que agora não coordenava mais. Desde que senti o tremor imenso pelo corpo deixei a possessão acontecer sem qualquer sentimento de apego, vergonha ou medo. Simplesmente aceitei privilegiada. Agora algo estava em mim e as pernas começavam a andar em curvas curtas, depois de outras maneiras atipicamente humanas e engraçadíssimas. Não saberia fazer de novo se assim o quisesse. Porque repito, ali não era apenas eu. A consciência era minha, o corpo também. Mas o espírito tinha se elevado a um ponto transcendente de poderes. Toda a ancestralidade da vida humana pulsava de forma quase aterradora, mas não havia angústia, apenas uma forte sensação de que o tempo não existindo torna “passado” vivido ali, no instante eterno.

Fui tirar a argila do corpo e me sentia leve e plena. Antes pedi permissão ao mar e entrei cuidadosamente humilde. A pele incrivelmente mais macia. A água embalando meu corpo a dançar. Boiei por um longo momento e a imensidão do céu se apresentou a mim com a única paisagem existente no tempo-espaço. Um belo pássaro passou voando lentamente, em cima dos meus olhos vidrados, com os detalhes que conseguia ver da sua composição. Juan entrou seguindo para o fundo do mar, quis ir com ele mas a água me impedia, me empurrava para o raso, enquanto levava-o ao oposto. Assim fomos distanciados pelo mar, mas ríamos daquilo porque era no mínimo diferente, sermos comandados e guiados pela vontade das ondas.

A noite foi acontecendo suave e o último grupo de jovem saia em harmonia. Não conseguia parar de andar. Ria muito porque era hilário não ter o comando natural do próprio corpo. Andava em círculos, passava pelos meninos e dizia “olha! Não sou eu que tô fazendo isso!”. Eles não se impressionaram comigo, entendíamos o outro. Estavam deslumbrados em suas descobertas; é maravilhoso saber que a vida é um milagre inexplicável e infinito.

A noite sem lua declarava a infinidade de suas estrelas. Algumas pulavam, outras dançavam e até piscavam para mim. Ancestralidade, tempo, morte, vida, tudo isso era eu. Estava radiante embora serena. Nada me deslumbrava tanto com nas sessões anteriores, porque já me sentia íntima daquela sensação. Estava bastante escuro e resolvi trocar o biquíni por uma roupa seca que havia levado, embora não sentisse frio ou necessidade alguma. Teo estava do lado esquerdo da praia e eu só conseguia ver sua sombra longe, Juan estava do lado oposto. Então tirei o biquíni, me senti tão bem que resolvi andar um pouco nua pela praia. A sensação de pureza, liberdade, privacidade e naturalidade me deslizavam sobre os próprios passos a uma terna existência de céu e me privava de qualquer malícia ou julgamento alheio, pois não havia qualquer suposição de maldade ou comprometimento do juízo ou qualquer coisa que valha. Simplesmente transcorria como uma pluma pelo paraíso, um lugar onde não habita regras ou conceitos, nem ilusões ou criações humanas. Fui em direção a Juan, que estava sereníssimo tocando os pés no rasinho do mar. Abracei-o e ele sequer me percebeu nua, tão puro era o sentimento de tudo.

Teo se sentia feliz e queria esperar o sol nascer. Falou que as pessoas tinham que procurar “aquilo ali, a conexão” e eu argumentei que não devíamos procurar nada, apenas Ser, porque a procura é na verdade uma fuga do que já está ali. Juntamos nossas coisas e Juan comentou sobre o lixo excessivo que produzimos e a quantidade de coisas que carregamos numa inútil mania de acúmulos e a ilusão de estarmos preparados para o que vier. O cogumelo deixa claro que não precisamos nos preparar para algo que criamos, ou supomos. Não controlamos, não necessitamos acúmulos. Tudo é provido sem que percebamos, mas pelo medo da falta acabamos por “inchar” com coisas descartáveis. E coisas são só coisas.

A juventude expandia de nós uma magia, uma alegria sem fim. Voltamos por uma trilha diferente da que viemos e em algum ponto não havia como seguir. Estávamos em clima de festa e não nos abalamos com isso, na verdade qualquer obstáculo era também um divertimento. Então fizemos uma pequena escalada, nos ajudando e conseguimos voltar ao local de partida, o alto da falésia onde fizemos o brinde.

Sentamos para contemplar ainda o visual, conversar sobre o aprendizado individual e concretizar a eternização daquele sentimento divino que tomava a todos. Teo falou sobre a beleza de Juan. Os semblantes desarmados, destituídos de qualquer problema. Juan comentou maravilhado que andou no mar, imediatamente os lembrei de quando eu e Kaki flutuávamos em baixo da água do mar (estávamos bastante longe da costa), como se um bloco se solidificasse sobre nossos pés, e não tínhamos que fazer qualquer esforço para nos manter no fundo (ler relato VII). Agora era Juan que vivenciava aquele milagre. Teo se lembrou das pessoas que amava e desejou que conhecessem aquela luz. Falou ainda dos acontecimentos que são e estão (a degradação humana) incluindo as guerras, dores e doenças fazem parte de um aprendizado, de uma totalidade.

Foi no contexto de totalidade Universal, onde somos igualmente importantes, que voltamos para casa numa harmonia descomunal. Teo dirigia e a música do carro nos fazia cantar em coro e dançar. Viemos conversando sobre as impressões de cada um. Paramos na casa de Teo e um a um, tomamos um banho delicioso. A água é mística, magicamente viva! Depois cada um retornou às suas casas para uma noite tranquila de sono. E a certeza divina de quão privilegiados somos pela experiência divina.

* Experiência vivida em 2013.

Shauara David
Enviado por Shauara David em 01/12/2015
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