Conta-me do som das palavras
Conta-me do som das palavras que despes em delírio, conta-me do último poema emaranhado em sílabas que exalam da tua pele e dos sentidos que o tacto alcança no céu da tua boca em murmúrio. Conta-me do traço do horizonte que desenhas em arco, das naus que deslizam pelo espaço do teu corpo aberto, dos pássaros surpresos em revoada ao movimento da tua face sem defesa por onde o mundo palpita e cheira à maresia. Conta-me, conta-me devagar e compassadamente das longínquas pontes erguidas por sobre o peito, das manhãs suaves em que te espreguiças como se estivesses com o corpo a esticar a pele do oceano no movimento de tuas entranhas, conta-me outra vez, descortina a quietude do último crepúsculo colhido, desdobra-te em letras em meus trocadilhos, inverte-me e retoma-me ao vale das palavras que emergem ao toque da tua língua e do suor das lágrimas que vertes das mãos, conta-me, exagera-me de agudos sentidos, tece o rubor primeiro que de mim exacerba em poesia convertida em silêncio, conta-me, sussurra em meus ouvidos que é em ti que tudo começa e se finda, geme baixinho que estamos de novo a morrer em nós a cada dia, por entre beijos, a cada noite, nesse sem fim que da poesia escorre.