Rogatório (primeira letra) - desfazendo datas.

 
[Ontem:]
 
Quando desaparecemos na víscera de Estocolmo, haviam pilhas em meus bolsos - dezenas em chumbo - que somente amigáveis seriam se alguma de nós voltasse para que fosse redefinida a "sorte". Faz-se chuva, como um local de fúria, o maior de todos os entrelaços: a dignidade presente nos cantos do coração.
 
§
 
[Dois anos atrás:]
 
Então, fiz-me de mato engrenado após abrir os olhos na mão pastosa do gás selador; as penas devolvidas por anjos. Eu ouvi maldizeres sobre as causas divinas, e os trejeitos pareciam mais do que milagrosos. Jamais ouviam-se os "nãos", e no caminho extenso e empedrado, era em meus ares que as raízes acabavam; eram em meus prantos que a lótus desempenhava seu ardor; era em meu peito que perdíamos a morada. Eu e mais uns iguais, que por trás de carnes e desavenças dos trens e cata-ventos, perpendiculávamos a beleza que talvez eu enxergasse - que talvez não fosse mentira, que talvez salvaria-me da catarse. O prato branco era o lustre de meus mais pavorosos sonhos, enquanto as doses francesas do pior oxigênio disponível era um cacto - não haviam esferas, e minha noção de formas e tatos desapercebeu-se quando o "amo" gritou na altura do que não existia. Eu escrevia ninhos em um tom de elevação construído acima do mundo-numeral. A renegada fórmula que banquei ser a melhor saída, desistiu de sua pronúncia no vento dos lábios invisíveis - os mesmos que me diziam: "recobre a consciência, porque o carvão do fel não é novidade, e tua risca não derrama limites de aconchego". Uma sílaba (a quarta da maior coragem - porque) há de ser sempre a sorte; após milhões de vezes, após o mergulho no ocidente da memória... Sobrevive-se.
 
§
 
[Ontem:]
 
Toda uma era lançou-se em sprays no arco-íris detalhado. A voz denegriu a teoria, enquanto recobrava os melhores detalhes do horror: "a natureza educadora, a verdadeira ilusão, o merecido desgosto... O lápis com sabor sépia (e que o amarelo acabe por durar mais uma vez). Mais uma vez...". Eis o último minuto preenchido com a distância da vontade. Os poros marejavam sangue, enquanto respondia por cima de um fundo branco "haverá um doce, a escorrida frase ensanguentada de flores e justiça...". Talvez não fosse azar o que marcava meus ambientes, embora os cotovelos se arrastassem no lugar das unhas. Sobre a sorte, ela dura a metade - até a própria palavra; como se fosse o "frio" não pronunciado, como se fosse o "mar" retido dentro de linguiças de porco esmaltadas...
 
§
 
[Definição:]
 
Não somos "sorte", porque "sorte" não se pronuncia apenas uma vez durante toda a vida. A "sorte" são várias "determinada coisa", e não a unidade. Nós somos a unidade, as palavras até o fim, sem interrupções na pronúncia e com o cintilar suave da tranquilidade na certeza de que estamos no lugar certo. Somos o que poderíamos chamar de "planetas", mas os não distantes - porque o amor nos alcança e absorve, conduzindo o nosso sono nessa límpida região - e os Diabos desconhecem a existência tão forte de duas almas coladas através do nascimento do sopro e da eternidade.
 
Lainni de Paula
Enviado por Lainni de Paula em 03/11/2015
Reeditado em 04/11/2015
Código do texto: T5437077
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