O LAMENTO DAS GARÇAS

A voz vinha do reduto das garças e assemelhava-se a um lamento, baixo e rouco. Olhei e não vi os pássaros. Tinham desaparecido sem deixar rasto, apesar do hábito de se reunirem sempre ali para dormir.

Costumavam passar aos bandos, pairantes sobre a cidade e provenientes de várias direções e lugares. Eram maravilhosamente brancas e emprestavam ao nosso céu um véu branco e magnífico de penas e plumas, num movimento sincronizado digno da mãe natureza.

Já era tarde e começava a escurecer, o que dificultava reconhecer aquele local e a presença delas. Aproximei-me devagar e procurei a velha árvore de galhos secos e cinzentos que servia de abrigo às garças, que um dia a tinham adotado como morada. Era ali que descansavam e se sentiam protegidas e unidas por um ideal irracional de pássaros, num gesto solidário e espontâneo. Procurei avançar mais um pouco e esforcei-me em reconhecer melhor o local, apesar da escuridão. Aos poucos, fui notando que o matagal em volta tinha desaparecido e a terra estava agora escura e seca, dando a impressão de ter sido mal tratada e desapropriada. Reconheci aos poucos, um cheiro a folhas queimadas que parecia exalar das profundezas da terra. Agora, eu estava certo de uma coisa; algo muito grave tinha acontecido àquelas aves. O local não era mais o mesmo e o lamento que eu tinha ouvido, denunciava algo muito sério e trágico.

Quando me preparava para voltar para casa, escutei de novo aquela voz baixinha e grave. O som, fez-me dar mais alguns passos e quando tudo parecia árido e sombrio, consegui notar a presença de alguns pontos brancos espaçados naquela clareira, que agora refletia uma cor pálida. Eram dezenas de animais imóveis, cansados e em silêncio. Conformados, tristes, solitários e que apesar de reunidos ali não tinham mais a sua velha árvore para dormir. Procuravam descansar naquele chão, corroído pelo fogo.

Senti a dor lancinante do desrespeito à natureza e suas formas magníficas. Tive a nítida certeza que, aquele som de lamento que escutara há instantes, fora o murmurar da terra compadecida com o choro daquelas garças brancas que se preparavam agora para dormir sobre as cinzas da sua velha árvore.

Mongiardim Saraiva
Enviado por Mongiardim Saraiva em 03/11/2015
Reeditado em 28/11/2015
Código do texto: T5435954
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.