5. O Evangelho da Terra: a travessia no deserto

Dizem que Javé é o Deus do deserto, foi lá que os judeus prepararam suas guerras e seu espírito, que os tornassem dignos de conquistarem e manterem as terras que queriam se assenhorar. Para mim o deserto é onde se encontra a consciência do homem, quando abandonado as próprias forças em meio a escassez de recurso ou da solidariedade dos demais. Neste ambiente em que a consciência se encontra colocada, o homem não encontra outra alternativa, se não quiser sofrer com o calor e aridez do seu deserto pessoal, senão potencializar o único recurso que tem a sua disposição.

Ele prepara então seu espírito e este lhe comunica por sinais diversos a qual cidade deve se dirigir. Então, os castigos que o enfraqueciam se tornam agora o meio que deve enfrentar e superar se quiser alcançar sua cidade santa, o lugar de descanso de seu espírito.

Confesso que tenho fugido dos desertos. Ainda que tenha me perdido em muitos deles e através deles eu tenha encontrado muitos refúgios e lugares esplêndidos, nem por isto a experiência torna menos terrível sua travessia. O deserto aperefeiçoa o espírito, mas castiga o corpo. E quem de posse de alguma sensatez recusa os confortos oferecidos ao descanso e deleite do corpo? A alma se alegra quando o corpo é bem tratado, que é para ela fonte de alegrias e regozijos.

Mas alguns homens como eu, que fugiram escravos do mundo, e atravessaram o deserto com o intuito de estar longe da escravidão, encontraram algo a mais no deserto. Ali seu espírito lhe comunicou a primeira vez. Tais homens não só se encontram gratos ao deserto, mas também precisam dele para novamente se comunicarem com seu espírito.

Entre as grandes cidades, santas ou pecaminosas, sempre há desertos que separam nosso desejo do grande encontro. Haverá sempre desertos entre nossa vontade e o mundo, se não quisermos nos perder entre os delírios que alma produz pelo medo da solidão e aridez do deserto em cada um de nós.

É necessário então que eu os deixe, por que não encontro mais lugar entre os que repousam. Os homens inventam toda sorte de brincadeiras e truques para distrair e aquietar sua alma, quando na verdade o que ela almeja é o deserto. Estes despistes sempre se esgotam, dado a alma perceber logo a brincadeira e o simulacro em que nos empenhamos. O pântano é pior que o deserto, e é nessa lama primordial que muitos buscam o refrigério da alma. Ela sente até alguma alegria, enquanto o corpo se suja na lama que não o contenta de verdade...

Lembrem-se, que uma coisa é a lembrança da guerra outra é o medo da morte, que se esconde em cada movimento e emboscadas. Quando estamos numa guerra, as garantias existentes para a vida, não passam de ilusões. O sangue derrama por que o espírito não garante mais que o corpo não se perca, por que tudo diz a ele que sua vontade ou desejo nada significa, por que não há mais controle não há ninguém por trás, somente os homens matando e destruindo tudo que for necessário.

Da mesma forma é doce e suave falar do deserto, mas a voz que clama do deserto não é a mesma que fala sobre ele. O tom e o sentido são outros, mas é necessário se preparar para o caminho antes de se enveredar por ele, por isto vos falo, antes que eu inicie a travessia.

No deserto, é o movimento do espírito e não do corpo, que o salva. Se atentem para isto para que não sejam sacrificados em vão.Cada um busque a cidade santa que tem dentro de si e atravesse o seu deserto, sem buscar grandes inimigos ou grandes heróis que os salvem.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 02/11/2015
Código do texto: T5435007
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