METAPOEMA

Quero contar que voltamos para as flores.

Chegar foi como libertar um tempo aprisionado em si a espera de novas horas.

Orvalhei fundo para continuar a cena da terra.

Quando adentrei o passado, um recado da vida: instantaneamente avistei um relógio na parede, inerte como as histórias que pulsam sem eco, a marcar " cinco horas e meia" dum momento que jamais saberei qual foi.

Selada ali estava a alegria que correu os campos perfumados da vida a ensinar que saudade é o preço que se paga pela relatividade do tempo irreal, cuja realidade não escapa a nada.

Mas se tudo parecia igual...dei corda ao tempo.

O mesmo sino tocou. O mesmo trem apitou.

A charrete! Até ela passou pela rua!

O cheiro da chuva, o acalanto do tamborilar noturno das suas goticulas nas folhas de antúrios da vó, a algazarra matinal das maritacas, o verde-amarelo dos canarinhos da terra vermelha, as pombas, a fuga das corujas buraqueiras frente a aurora imponente, o bem-te-vi esguelador , tudo, tudo era o mesmo de sempre.

Tudo a contrariar a contra- regra do tempo.

Só um detalhe diferenciava na minha percepção: o trem que apitou de novo não é mais trem que leva gente, agora é trem que leva cargas...

Senti um perfume. O mesmo. Na mesma mesa, de mesmíssima guarnição impecável.

" menina, vem tomar café!"

Então, sente-mei ali, degustei do grão coado junto ao macio do bolinho da chuva feito pela mão senil e forte da minha Bá e aprendi que a poesia sempre fica para continuar na metafísica do tempo.

Acariciar é função missionária e metafísica de toda poética.

Sim, então quero recontar que voltamos às flores.

Todas elas se reavivaram com a nossa chegada.

O sino ja toca novamente a chamar a cidadezinha para a missa e não mais me interessa saber do dobrar das horas...

Religo- me na realidade das flores efêmeras e sei que são elas a minha oração ao Sagrado.

De súbito tomo o viço da terra a saber que daquele chão não sairei nunca mais.

Broto o perfume dum tempo que impregnou meus sentidos e exalo minhas letras em notas florais.

É o meu jeito simples, delicado e perene: o de ficar para sempre na impermanência de tudo.

E mais uma vez, alheio à vida, o sino badala a entrada de um novo novembro.