"Eu era um anjo velando outro anjo"

Enquanto você dormia, eu vigiava seu sono. Creio que não

sentiu minha presença, mas não era preciso, pois eu estava invisível

aos seus olhos. Em almas, unidos estávamos, mas não em carne.

Fui contornando seu leito, cobrindo-o com uma intensa luz

azul. Transformei-o em anjo, dei-lhe asas e presenteei-o com uma

pequena nuvem, que o servira de condução.

Acariciei levemente sua face, estava cansado, mas dormia

sereno. Era um sono pueril, nem parecia ser um homem.

Percebi uma agitação onírica: estaria tendo um pesadelo, um

presságio ou apenas se debatia em seus próprios questionamentos?

Não sei, mas eu o vi chorar baixinho. Era uma lágrima cristalina, fina e

parecia prolongar-se por todo o seu vasto sentimento, acho que era

saudade.

Sentei-me em uma cadeira que estava próxima a sua cama,

quase cochilei, então percebi que você conversava. Mas com quem?

Eu era o único anjo ali presente.

Senti sua voz ficar alterada, ouvi novamente o seu choro

baixinho, tive o pressentimento de que alguém, além de mim e com

forças maiores, estava ao seu lado. Ousei olhar para o lado e vi entre

a luz azul que criei a imagem de uma “santa”.

Era uma mulher alta, seu corpo era esguio, tinha marcar de

sofrimento em sua face, seu olhar era doce e transmitia uma

serenidade explícita. Ela o olhava saudosamente, parecia que já te

conhecia. Tocou-lhe o rosto por várias vezes, segurou em sua mão

direita, beijou-a. Depois se sentou ao seu lado, afagou seus cabelos e

pôs-se a cantar baixinho uma canção, da qual eu não me recordo.

Percebi que a tal “santa” chorava baixinho. Creio que ela não

havia percebido a minha presença, ela chorava e lhe banhava com

suas lágrimas. Sorria ao olhar para o ambiente onde você costumava

dormir, creio que aquele era um sorriso desesperado, mas não teimei

em pensar, cortei-o de minha mente imediatamente.

Eu, a tal “santa” e você dividimos a mesma atmosfera pela

noite inteirinha, só consegui adormecer quando escutei a porta se

fechando: ela havia saído. Você, logo em seguida levantou-se. Fez o

sinal da cruz, fechou os olhos novamente e fez uma prece. Naquele

momento fiquei pensando: em quem será que ele está pensando? O

que está pedindo? Ele agradeceu?

Aproveitei a cama ainda quente e deitei-me assim que você

se levantou: pude sentir o seu cheiro, o seu calor e acabei

adormecendo ali mesmo.

Você passou por mim várias vezes, não teve tempo de

perceber a minha presença, mas eu consegui colocar em seu

semblante um pouco de felicidade. Antes de sair, você olhou para

trás, pensei ter me visto, mas era para certificar-se de que havia

deixado tudo em ordem.

Eu fechei meus olhos, você saiu. Adormeci em você.

* Não sei o que me levou a escrever isso, mas a serenidade deste

sonho me deixou cheia de esperança.... foi um presságio?