A MISSA QUE NÃO TERMINOU
Lembro-me, quando eu era criança,
Que se considera ingênua e inocente,
De algo horrendo que fiz por vingança
Contra um padre que me foi inclemente.
Eu o servia na missa diariamente
Com o pão e o vinho da esperança,
Que de mim tomava sofregamente
E ao povo distribuía com bonança.
Coroinha aos sete anos de idade,
Frente ao altar levantei-lhe a batina
Para saciar minha curiosidade,
Pois diziam que o padre era menina.
Levei um forte chute de botina
E na igreja o povo riu à vontade;
Mas no outro dia, na hora matutina,
Dei o troco e ninguém sentiu saudade.
Servi-lhe soda cáustica no vinho,
Só que antes ele comeu o pão
E tomou aquela taça sozinho,
Fez careta, mas tudo foi em vão.
No altar teve uma forte convulsão,
Tentou andar, mas errou o caminho
E, babando, caiu ali no chão
Com a sua túnica em desalinho.
Aproximou-se um samaritano,
Médico cristão que o examinou
E prognosticou um ato profano
De um falso Judas que o atraiçoou.
Numa ambulância o doutor levou
Para o hospital o sacerdote insano
E aquele povo devoto rezou
Pelo coroinha tão desumano.
Se Jesus morreu, todos morrerão
E, assim, faleceu aquele vigário,
Enquanto eu implorava perdão
Ao meu Senhor morto lá no calvário.
Da cruz, cristo apontou-me o rosário,
Pedindo-me que parasse a oração,
Enquanto me disse: – És um relicário
E os hipócritas não te julgarão.
Vinde a mim as crianças, proclamei,
Pois que de todos eu sou o salvador,
E também julgo o mundo com uma lei:
A misericórdia, em nome do amor.
Para os mortais todo fim é uma dor,
Mas se ocorre é porque antes aprovei,
Portanto não sejas um sofredor
Pelo ente querido que ao céu levei.
Tinha o padre um coração muito fraco
E a idade avançada foi uma agravante;
Não foi seu ato que lhe abriu o buraco
Fui eu que o abracei naquele instante.
No céu estará comigo doravante,
Tão feliz e rindo como um macaco
À espera do seu coroinha infante,
Que se recusava a puxar-lhe o saco.