NA CASA DE PRAIA
A estrada que nos levou até lá me parecera um longo desafio intransponível e a chegada, já pela madrugada alta, me tornou refém do meu cansaço.
Compreendi rapidamente que mesmo à mera perspectiva de felicidade nos cabe um certo pedágio ansioso, um desconhecido preço a ser pago.
Adormeci ali mesmo, com a vestimenta do corpo sobre a pele e quando despertei tive a impressão que alguém batia na janela.
Assim que abri a velha veneziana ressequida pela maresia vi que era a vida que por ali passava tranquilamente a me dar seu ar de graças.
O cenário era de oração duma natureza virgem.
O verde penetrou os meus pulmões como algo de leveza desconhecida.
Por um instante pensei em como a vida da cidade grande nos ausenta da verdadeira vida.
De súbito, como se num soslaio duma folha, senti um movimento apressado que corria pelo galho alto dum "pau-ferro" gigantesco e logo dei de cara com o primeiro visistante do dia: um mimoso filhote de esquilo assustado com a minha presença.
Ele tinha todo o devido álibi instintivo para se assustar comigo.
Fugiu dali como quem guarda a vida preciosa trancafiada numa caixinha hermeticamente fechada.
Pouco adiante, as ondas dum mar bem próximo batiam nas pedras gigantescas das rochas montanhosas e um cheiro de sedução tomou conta do meu corpo.
Era como se eu sentisse o ricochetear das moléculas de vida sobre minha pele, a depurar um cansaço perene, algo como um elixir, uma comunhão intrínseca e imprescindível de naturezas unas e indissolúveis.
Eu sabia que aquele era o verdadeiro milagre da vida ofertada pelo mar e foi só por isso senti que caminhei pela praia como quem caminhava para o necessário paraiso.
A manhã já me dava seu bom dia iluminado dum sol morno, as águas cantavam murmúrios plácidos e os raios de luz douravam levemente a maré que se recolhia para o seu mistério de sempre ir e voltar.
Fiz uma oração silenciosa, adentrei o mar espumante sob meus pés e mergulhei na minha imensidão de sereia.
Quando retornei a mim o lual já me iluminava em areia firme e uma estrela cadente riscou a escuridão com seus rastros de luz a clarear todos os sonhos intangíveis.
Meu pensamento tinha alvo desconhecido e um arrepio correu pelo meu corpo molhado.
Como se sentisse uma saudade de não sei quê.
Entendi que são muitos os mistérios que se escondem no além mar de toda a nossa existência sequer programável ao entendimento do mundo...