Chega!!
Chega, retornarei ao buraco negro, assim farei deixando de resistir, de tecer esse “boneco de pano”! O trabalho me cansou, hibernarei (se é isso que acontece lá), até ser ejetada numa nova natureza; representar cansa, ser esse arquétipo de mulher, por mais que tenha me tornado nesta natureza flexível, ainda resisto; sinto-me como andando no trilho engenhoso que o Insondável estendeu para seres e matéria serem na eternidade.
O que adianta a sabedoria, foi insubstituível para minha “Alma formada” (aquela dita por Clarice Lispector), percorrer sem grandes dificuldades, serviu de habilidade sutil para transitar nos acontecimentos com baixo nível de erros, fracassos, desventuras, passíveis de serem superados pela lógica analítica do bom viver.
E daí, o que fazer com este peso anêmico que paira sobre minha intuição da certeza da velhice e morte, quando o tecido que cobre o corpo vai murchando como as rosas e as margaridas, até as orquídeas, mais rápido assim envelhecem se não forem delicadamente tratada pelo jardineiro; até a rosa do deserto, mais independente, amiga do sol, que necessitada pouco da água, tem seu dia marcado, o de não ser mais.
Olhar no espelho torna-se trabalho mais difícil que ganhar milhões, ver a carcaça dia-a-dia se deteriorando é confessar para mim mesma que a luz do palco será apagada. Logo, as cortinas serão fechadas, tirar- me-ão daqui. Cansei de ouvir de dentro do meu interior o som inaudível do cronômetro que indica que hora está chegando.
Lembro que me ver era instante de confirmação do preço que tinha, a beleza sobejava, tinha a moeda de troca quando o outro me olhava, sempre saía ganhando, sentia que era comida pelos olhos, desejada como comida nas mãos do faminto, invejada como leoas ilhadas pelo macho líder sendo observada à distância pelo adversário, que rodeia e instiga o mais forte à luta para conquistar território.
Quando chegava aos ambientes, o momento era somente meu, calava os presentes, deixava sem defesa as irmãs que se tornavam fracassadas no investimento de também serem eleitas como as mais belas. Saía como havia entrado, sem esforço para ser; além disso, tinha a inteligência de preterir tudo, tinha-o, fui conquistada pouco a pouco pelo não ser característico de Drumont, que silenciosamente colocou meu centro amparado no calor de seus braços que me carregavam pelos cômodos de minha casa, aonde ia, como fantasma.
No auge da maturidade da beleza não necessitava mais do ser bela para ir à caça, realizava-me no social para satisfazer aqueles que pediam o conceito de beleza que Eu permitiria; estava satisfeita com o nível de entendimento desta realidade que Drumont permitiu sentir toda vez que em seus braços me encerrava, levava-me às alturas, correspondia até o limite da sensualidade, prazer, e bem aventurança que minha natureza física, como ponte, permitia realizar, nele.
Agora, Ele, não está mais aqui, antecipou sua partida por decisão das instâncias superiores de luz; mesmo se estivesse, não teria mais o que oferecer-lhe em juventude e sensualidade. Estou gasta, usada pelo tempo, esfumaçados estão meus olhos quando vejo, não sei se ainda reluzo para o outro aquilo que não mudou em meu interior, o vigor como lá detrás; como disse Hebe Camargo, certa vez: “Terei que deixar tudo, que pena!”
Por isso que, doravante, se tenho pouco a percorrer em caminho de ida, não resistirei mais ao tempo, perdi a moeda de troca, resumi na cidadã idosa, lembrada somente ao final do mês com o aparecimento na conta bancária do valor diminuto frente àquilo que dei a vida toda, sendo o suficiente para pagar os gastos com os reparos e manutenção da máquina usada, que é meu corpo, nesta vida que não isenta de tal responsabilidade nem o morto, que se não tiver deixado, submete os familiares à sentença de pagar os gastos com o enterro.
Ficarei no “standbay”, me lavarei, comerei, vestirei, somente para respeitar a Alma no termino da caminhada, ela não é minha, voltará para a fonte imorredoura que pulsa de modo centrípeda-centrífuga eternamente; isso, quando, como e onde Eu quiser. Quero ouvir a música de que nunca gostei, comer comidas atípicas da minha realidade, gastar o que tenho desmedidamente, reservando sempre o suficiente para manter-me pacificamente nesta selva de pedra explorada às custas da moeda.
Honestamente começarei a ter uma escala de preferências de íntimos ao convívio, isso se ficarem, não tolerarei conversas pesadas de ignorâncias, desamores, traições, enganos, estou cansada de ficar ali, rodeada de seres que não querem ser.
Ouvirei mais o barulho das águas à beira dos rios e cachoeiras, dialogarei pela fala não dita da Alma com os pássaros, massagearei minha pele enrugada com o toque dos ventos das tardes, aguardando o sol se pôr. Não quero ser vigiada, medida, abandonada pelos olhos dos cegos que não enxergaram o perecível dos seres e coisas. Apagarei todos os cômodos de casa que desafiam olhar para trás com saudade do tempo da florada, terei o hoje como cômodo único aceso, sendo imediatamente apagado quando dormir à noite. Quando Eu acordar, outro se acenderá limpo sem mobília, disponível para ser adornado ao meu modo. Se decidir, não colocarei NADA nele, adotarei, se preferir, a inutilidade como objetivo.
Até a saudade dos meus entes queridos que se foram está ofuscada, perdeu a graça alimentar-me da alegria do passado, do estar em família ou do sorriso dos filhos e netos, eles não me alcançarão em auxílio quando o sinal do fim for tocado.
Sinto nas entranhas da Alma que resiste o lançar-se no “buraco negro”, tem faltado o sono, a paz; afinal, as sequelas das responsabilidades com o outro me alcançam na razão analítica, esse tribunal Kantiano me chama para estar ainda no trabalho...
Não, “jogo a toalha”, não tenho tempo mais a perder, basta!!
Esta casa é a mente que portei a vida toda; logo farei o balanço geral de sua atividade. Sairei dela, ficarei do lado de fora sem ao menos a roupa do corpo, disponível para qualquer aventura futura, no devir, desde que me desafie polir cada vez mais minha constituição superior. Tenho mantida em mim a inspiração para construir outra casa, com destreza, engenharia e inteligência, com que disponho aprender, sempre.
O conhecimento e a sabedoria constituem uma espada de dois gumes que levarei às mãos, é o instrumento para estar, onde quer que me alocarem.