O POETA E A GAITA MÁGICA
Ele vinha pela estrada da sabedoria predestinado a cultivar e ensinar vida.
Quando nada entendia...tocava sua gaita mágica.
Era menino pensador.
Trazia no âmago a inquietação daqueles que buscam os mistérios da existência, as sinalizações da intimidade biomoleculares, das mais diversas, todas elas incrustadas no contexto das adversidades do meio aos frágeis seres nele inseridos.
Vinha com a alma simbiótica à natureza e a toda beleza que dela pudesse brotar.
Então, feliz e inquieto, era quando soava a sua gaita mágica.
Às vezes, como se vindo para a vida momentaneamente tivesse saído das páginas de Saint Exupéry, ensinava que pela estrada “nos tornamos responsáveis pelo que se cativa” e como não poderia deixar de ser, aos seres cuja alma é feita de poesia, sabia como ninguém fotografar a vida com “os olhos do coração”, porque aprendera cedo serem eles os únicos olhos do humano que enxergam além do visível.
Por ser poeta também sabia tingir rimas da paisagem para eternizá-las nas cores irreais que lhe pulsavam n’alma encarcerada.
Voltado para todo o turbilhão que os poetas trazem consigo no peito, sempre numa antítese figurativa e delatora de si mesmo , era aparente calmaria absoluta em meio à tempestade de sentimentos perenes que lhe trovoavam versos( dos complexos aos mais pueris) aonde sempre em poema de corpo presente figurava nas palavras toda a magia dos seus mundos mais escondidos e inexplicáveis, na sensibilidade alquímica de cada descoberta possível de se transformar em versos mudos, sempre atentos à magnitude do todo ainda desconhecido e instigante.
Era um desbravador do céu das madrugadas e precisava delas para existir.
Era nelas que o tempo lhe soprava toda sua inspiração, todavia, urgia pelo som das notas mágicas.
Ali, no silêncio da noite que se vai para novas alvoradas, se amalgamava em único ser “homem –menino-poeta”, numa ambivalência existencial e atemporal, a tecer no horizonte a trama de poemas vitais e constelados de luz roubada do seu perene sol interior.
Buscava ser outono, primavera e verão e na gaita mágica puxava notas harmônicas que se perdiam no caos do cinza a purificar o tudo furtado e poluído das desconstruídas estações.
Então, sugado de si mesmo, continuava como menino a tocar seu mundo de mágica magia...pois é mister se existir.
Era quando do fustigado verde da floresta ainda extraia as moléculas da vida para difundi-las às todas as células ávidas de existência real.
Certa vez, ainda sob a hipnose das suas notas mágicas, vinha ele desavisado de seus sonhos e como quem tropeçara para fora das páginas de Saint Exupéry subitamente voltou para as linhas da vida.
Estranhou porque não é fácil se despoetar subitamente da ficção em meio a tanta dor mundana realística.
Então, como menino assustado, achou melhor voltar correndo para a poesia: ali olhou atentamente para o céu de escuridão, e num oráculo entendeu que além do mistério visível das luzes há rimas de estrelas cujo brilho nunca se explica na imensidão intangível dum firmamento.
Luzes que apenas se sente...dum céu que podemos pintar de cores infinitas através do caleidoscópio do coração.
Conta-se que, um dia, despertou suavemente com a mágica da sua melodia sob uma aurora boreal, que da última noite escura lhe trazia a claridade dum novo e eterno reamanhecer...
Entendeu finalmente o porquê de que a todo poeta urge ser fingidor...
a deveras fingir sentir a sua própria dor*.
* Nota: parafraseando Fernando Pessoa em "Autopsicografia'