Um hábito que jamais meu pai dispensou foi fazer a barba.
 
Ele tinha um aparelho modesto, nada parecido com esses anunciados nas propagandas atuais, modernos e tão tentadores.
A base do aparelho era uma lâmina, a gilete. O rosto ele ensaboava com um pincel que o tempo logo desgastou, porém nunca os anos apagaram a eficiência do simples ato de fazer a barba.
 
Meu pai sempre foi objetivo e rápido nas suas ações.
Tomar banho, por exemplo, não exigia vários minutos.
_ Tem que ser um banho comercial, Ilmar!
 
Fazendo barba não era diferente.
Não sei se durava mais do que sessenta segundos.
 
* Acreditem os senhores que jamais painho deixou de fazer sua barba. Os problemas, as inquietações e tristezas não atrapalhavam os sessenta segundos.
 
Contrariando minhas convicções, ele gostava da ficar com o rosto limpo.
Meu pai era bem bonito e carregava, no olhar, um jeito cativante o qual falava de humildade, carinho e atenção.
 
Mil vezes ouvi um tio contar uma ação bondosa e emocionante.
Necessitando de um dinheiro ele viu meu pai limpar as gavetas do seu pequeno comércio e entregar o dinheiro com total desprendimento.
Trabalhando com frutas e alimentos, ninguém saía do local sentindo fome ou deixava de levar o produto porque não tinha grana.
Segundo minha querida mãe Tonho era o autêntico macaco negociando com banana.
 
Tonho, Antonio, meu pai era assim.
Pessoas iguais a ele não precisavam morrer, fazem enorme falta, a lição esquecida é preciso repetir e renovar, portanto talvez Deus vacile quando as tira daqui.
 
* E a última barba? 
Chorei recordando o velho hábito higiênico porque indaguei o que teria ocorrido no derradeiro dia, num hospital público, sem poder contar com suas fortes mãos.
Quem teria feito sua última barba?
 
Se pudesse, belo e envolvente, aquele homem pediria:
_ Minha barba, Ilmar! Não deixe de fazer minha barba.
 
Um pedido que nada tem a ver com vaidade, fala de encanto, ternura, realça a alma muito doce e especial, celebrando a rotina no gesto o qual tanto repetiu, se preparando para os desafios, antes da ação às vezes vitoriosa, alguns dias frustrante, sempre perseverante.
 
Bem justo ter a última barba concluída no ritmo dessa poesia compondo sua incrível jornada, resumindo a mensagem de um ser adorável.
 
Sessenta segundos apenas
Partiu meu pai, que pena!
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 30/09/2015
Reeditado em 30/09/2015
Código do texto: T5399233
Classificação de conteúdo: seguro