MÚSICA E MORTE NA CORDILHEIRA
A alma andina e a infinita solitude dos cimos da Cordilheira estão entranhadas nas claves musicais da canção terrunha EL CONDOR PASA. A morte e a vida – interior e exterior – estão vivificadas nela: flor e pássaro altivo. Quase em transe, aos olhos estupefatos, avistei um espécime desta inusitada ave, com cerca de quatro metros de envergadura, a uns duzentos metros sobre o vale, perto de Vila Suiça (alguns quilômetros depois de Mendoza, serra acima, na divisa argentina) onde tudo parece primavera: céu imensamente azul, flores, jardins muito verdes. Logo adiante tudo é pedra, gelo e aridez e, curiosamente, uma quentura me invadiu, como fora a mão da divindade pousada sobre o ombro. Um pouco mais à frente, perto do Cemitério dos Alpinistas, a mais de 3.000 metros de altitude, o calafrio da morte desceu espinha abaixo e a aura protetora da “Difunta Correa” veio em socorro, borrifando-me o corpo com a água andina para que não morresse de sede e susto. Na Cordilheira, homens e máquinas são intrusos a qualquer hora... Em meus neurônios, a música (e o mistério) que emanava de “El condor”, na boleia do caminhão, foi oração de reencontro com o Absoluto. A gente morre um pouquinho a cada dia. Só a morte é música a todo o tempo...
– Do livro OFICINA DO VERSO, 2015.
http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/5397103