Réquiem para uma amizade (ou, Até nunca mais!, Infelizmente!)
Obedecendo aos preceitos da psicologia,
amor e ódio andam de mãos dadas.
A força de um determina o movimento contrário do outro.
A tessitura da vida delineou trajetórias distintas dos entes deste relato;
uma casualidade poética esboçou um encontro.
O carro parado, a expectativa do rever, um beijo negado.
Fotos, natureza, conversas, reconhecimento, sentados no banco, o encontro de carinhosas peles;
almoço, mais conversas, presente dado, sábado preguiçoso.
Retorno; o convite para um café;
o primeiro beijo; com a face entre as mãos,
o primitivo instinto se fez ansioso.
Corte inesperado;
adeus mal explicado,
indecisa e confusa separação.
Inquieta expectativa do encontro marcado com cirúrgica precisão;
o sorriso iluminado preenche o vazio do carro;
rumam para o acalanto de um gostoso desconhecido.
Deitam na cama; vontade do beijo, desejo e mais desejo;
medo da entrega, medo de tudo, paralisado!
O gozo pleno molha as cobertas e aplaca a sensação de fracasso;
assimetricamente adormecem.
A insônia corrompe a quietude da noite;
esgotado, se curva ao cansaço...
É de manhã, o novo amor aplaca o açoite;
volta para a casa;
felicidade contida, gostosa ameaça.
Cotidiano de fim de semana,
beijos e afagos... O sorridente olhar o encanta;
pranto invertido, ele dividido;
ela contida, revés da desesperança.
Nova cafeteira no café da manhã,
torradas com geleia, papo furado e queijo curado.
Jornal pela sala, caminhada pelas ruas do Rio;
almoço preguiçoso na tarde de desvario.
De quatro no ato, aroma intenso,
prazer inaudito,
bocas que se chupam,
pronunciando dizeres escondidos.
Seria a felicidade finalmente batendo à porta?
Pequeno desencontro e uma calorosa decepção;
telefonema mais que imperfeito,
tempo do verbo fora da conjugação.
Exuberante Silencio, gritante insatisfação;
falas desencontradas;
o náufrago sonho se afogando no oceano da desolação.
Tudo se explica mas nada é compreendido.
Diálogo de surdos, discurso de mudos;
ausência do verbo, extermínio da palavra,
De repente, o dito pelo não dito,
a não-palavra proferida,
troca de lugar com o ensurdecedor vazio do silencio.
Corpos afastados, carinhos abortados;
perguntas sem respostas, enunciadas sem indagação.
Tudo se desmancha nas ondas cinzentas
de uma perversa negação.
Corte! Esgotamento de tentativas,
perecimento da comunicação;
riqueza desperdiçada nas estrofes da contrição.
Só nos resta, desiludidos,
um réquiem em homenagem a tudo aquilo que um dia,
representou a nossa rica e docemente adornada ilusão.