Tarde de 28 de julho de 2015
Mais fácil ser assado do que assim, aos olhos dos outros.
Foi como um relâmpago: o Porshe avançava pela estrada sem curvas, ao som de Buddy Guy, a favor do vento, dentro desse óbvio invento em um tempo limpo. E sempre será assim, sempre será uma festa nessa ideia na testa que cria a mulher nua vista pela fresta. Claro que sempre que se conseguir fazer ser assim. Mas na real é um Fusca, que desce a ladeira sem freio, os buracos profundos no asfalto e no fim um poste que o racha ao meio. Sonhos ruins acontecem, são taxados de pesadelos; sonhos ruins são os meios (rodapés ou cabeçalhos) que os deuses tiveram para falar para a gente valorizar ao máximo o tempo acordado. Sendo Porshe ou Fusca, Buddy Guy ou eu na gaita, segue o amor na estrada – segue o foco no profundo. Letras doces, versos alinhados para uma carta de amor... Que horror! isso já está ultrapassado! Cartas seriam para frouxos? As conjunturas favoráveis ao entendimento geral, ao nascer ou pôr do sol, tudo como um magnífico cenário. Tiro as nádegas da envelhecida poltrona e o pijama e apago o cigarro proibido e esqueço-me do próprio umbigo e telefono para ela (tudo assim mesmo, sem “vírgula” e sem pensar muito). Com o horário britanicamente marcado e a camisa passada só falta um bom perfume e a carteira recheada de dinheiro. O corpo há tempos já anda sem um pingo de pudor ou orgulho. Rumo à vida, outra vida, outra avenida (ou tudo na mesma) outro papo furado e o mesmo motel barato. Já sei que acordarei sem jeito e com o peito sobrando espaço; sou um frenético quebra-cabeça de almas. Ou seria quebra-almas de uma mula sem cabeça? Foi como esse relâmpago – começo dessa lambança escrita – que a tarde se foi: levou o último resquício de agonia, deixou um raquítico com a disritmia de sempre sujo, mas puro sonhador acordado.
André Anlub