UM TEMPO PRA MIM
Essa noite o que eu quero é não ter mais compromisso.
Quero deixar pra depois o que não tem urgência
E como tudo pode esperar, essa noite eu quero deixar tudo pra depois.
Quero me livrar das meias, da calça, da camisa e dos calçados.
Quero iluminar meus olhos com o reflexo das imagens retidas
E filtrá-las no foco exato da emoção.
Quero ter olhos voltados apenas pra vida
E descansar as vistas de qualquer outra visão.
Quero libertar meus passos a tal ponto
Que possa livremente caminhar para dentro de mim.
Quero jogar fora a agenda
E deixar de ser refém de quem nunca me diz sim.
Vou dar uma pausa pro mundo
E ter um tempo pra mim.
Essa noite, quero me afastar de minhas verdades,
Porque elas também não me convencem mais.
Quero rimar bêbado com anjo,
Campo com cidade,
Guerra com paz,
Perdão com castigo,
Faca com rosa,
Lar com mendigo,
Mel com cuspe
Eu comigo
E seguir as pistas da felicidade...
Essa noite, ‘tô’ em conflito com a guerra
E tão mansamente que nem a guerra vai ficar sabendo.
Essa noite, vou puxar assunto com a lua
E chamar São Jorge de vilão.
Vou fazer de conta que cansei
E quando tudo acreditar em meu cansaço
Vou fazer de conta que durmo
Como se de fato me cansasse
Pra dar um enorme flagrante na brisa
E surpreendê-la quando ela entrar pra acariciar cócegas em minhas faces.
Há de ser assim...
Essa noite, pra ser sincero, nem vou acender as luzes
Com preguiça de apagá-las depois.
E na penumbra dessa noite, pela janela e pelos vãos da porta,
É possível que entre quem, às vezes, quero — e nem sempre tenho;
Quem, às vezes, tenho — e nem sempre valorizo,
Quem, às vezes, valorizo — e nem sempre apóio;
Quem, às vezes, apóio — e nem sempre acredito;
Quem, às vezes, acredito — e nem sempre merece;
Quem, às vezes, merece — e nem sempre permito;
Quem, às vezes, permito — e nem sempre admiro;
Quem, às vezes, admiro — e nem sempre corresponde;
Quem, às vezes, corresponde — e nem sempre percebo;
Quem, às vezes, percebo — e nem sempre conquisto;
Quem, às vezes, conquisto — e nem sempre mantenho;
Quem, às vezes, mantenho — e nem sempre tenho;
Quem, às vezes, tenho — e nem sempre amo;
Quem, às vezes, amo — e por isso, perdôo;
E quem me perdoe, eu merecendo ou não...
Essa noite, vou me permitir a máxima rebeldia,
E que um novo eu me traga um outro eu tão firme,
Tão mais eu que eu seja pleno de ousadia
A ponto de fazer-me novo e descobrir-me.
Durante essa noite, mesmo que o bicho papão fique rondando minha rede,
Vou fazer de conta que mamãe mentia...
Durante essa noite, vou trocar-me inteiro,
Vou ser mais coragem, vou ser menos medo;
Vou me dar um sol, presentear-me um dia
E sair pra vida amanhã logo cedo!
São Paulo, 22 e 23 de junho de 2007