Escafismo

Tao ímpios sao áqueles alheios ao meu sofrimento

quanto as moscas que de minhas feridas

Alimentam suas crias.

O barco a deriva solto na imensidão do silêncio.

Deitado neste leito fétido,

Escaras me consomem a carne,

Sequer posso limpar as feridas expostas.

Vermes me comem silenciosamente,

Sinto a dor, mas nada posso fazer.

Meu olhar é de tormento.

Ninguém entende a linguagem dos olhos.

Eu sinto nas entranhas o mordiscar e o comichão,

Como roedores destroçando por baixo da minha pele.

A luz acende,

São proferidas palavras indistintas.

Algo é posto na minha boca.

A maldita lavagem que me mantem vivo,

Alimenta também as parasitas que em mim procriam.

Emito grunhido

É um grito de socorro em vão.

Se pudesse, mataria a todos!

Malditos!

Sou todo ódio e rancor.

Não me vêem sendo comido vivo?!

Aqui jaz um cadáver em decomposição

Que ainda respira.

Aos lampejos do alvor

Emito espasmos agonizantes.

Eis um homem que viveu, sonhou e amou.

Aqui páira o lamento de um velho enfermo sobre a cama;

Pobre animal confrontado com a dor de existir.

O banquete das varejeiras sobre a carne viva,

Nao se comparam ao suplícios das emoções;

Fundindo fatos e lembranças com o irreal.

Sentimentos e delírios bailam nos salões da memória.

Serão vazios os cômodos do palácio da morte?

Há de ser permeados de silêncio e escuridão?

Que o martírio tenha fim em sua chegada,

E o pavor cesse ao partir.

Que a paz chegue no deleite da última larva.

Que se fará mosca sobre minha carne.