QUANDO O MAR FEZ SILÊNCIO...

Ele sempe fora acostumado a ir e vir. Aprendera a exercer sua missão com perfeição.

Ia e voltava alegremente, sempre com a força imensurável dos mistérios e na legitimidade da sua natureza, trazendo espécimes de sua beleza para apresentá-las na sua diversidade logo ali, na sua vitrine de praia.

Estava acostumado tanto ao peso das profundezas como às explícitas águas rasas das praias que revelavam as formas exóticas das conchas perdidas de seus corais, entrelaçadas nas algas, sempre acaraciadas por suas águas calmas já chegadas à terra firme.

Conhecia todas as maravilhas que lhe foram presenteadas em vida: ganhara um tom azul royal que fazia inveja ao mais lindo céu anil, águas balouçantes que até hoje contam histórias de sereias, exímias sopranos, a desviarem as rotas de todos os destinos enfeitiçados pela sedução daquilo que não se conhece.

A ele, o mar de todos os tempos e de todos os mundos, jamais lhe fora reservado outro caminho senão aquele de amanhecer no horizonte dourado dum sol sempre bem vindo, encrespar suas ondas brilhantes e espumosas para arejar a perene biodiversidade das águas e logo mais adormecer cansado no crepúsculo ido no horizonte de todos os caminhos, ninado pelos sons de sempre.

Ao mar então, lhe fora concebido o segredo e a poesia de todos os navegantes de sonhos.

Mas certo dia, adormeceu desavisado dos tempos revoltos e insanos e quando despertou se percebeu manchado de sangue, frente ao pesadelo de receber corpos sem vidas na sua vitrine da praia, todos advindos das rotas sem bússola de partidas e sem destino de chegadas.

Foi quando numa praia escurecida, um anjo morto se fez vida frente à consciência humana que jazia morta para todo o sempre.

Ali, sereias perderam a voz, os peixes sentiram medo, golfinhos esqueceram suas rotas de superfícies , as nuvens fecharam o céu, o sol se apagou, estrelas despencaram em alto mar e os pássaros esqueceram as partituras das flores...

Anjos fizeram um coral de oração pela misericórdia de Deus...

Então, em homenagem póstuma à paz mundial moribunda, o mar fez eterno silêncio frente à inconsciência dos insanos homens que acreditam que tudo podem.

Até mesmo mudarem drasticamente a cor e o destino das águas dos oceanos.

Conta-se que na praia daquele mar, nunca mais as águas marulharam alegria vital.