A ANGÚSTIA DE VER O TEMPO
Apenas rodeado de objetos inúteis em seu apartamento, ele pensa em silêncio. Mas, por alguma razão inexplicavelmente insólita, a poeira do chão que fica próxima de sua cama consegue captar o que pensa:
“Preciso de alguma coisa para passar o tempo”. Acho que no fundo eu sempre tive medo de pronunciar esta frase. Sabia e agora sei mais ainda que quando ela é pronunciada é porque não me restou mais nada de bom na vida que me faça não pensar em pronunciá-la. Ela guarda um vazio existencial tremendo que incomoda o ser, o deixa sem saída, sem visão do horizonte, sem planos futuros, apenas com a ânsia por preencher o vácuo temporal que lhe restou a sua frente. Tudo para não deixar o tempo escorrer como se fosse o pingar de sangue de um carneiro recém-sacrificado e pendurado no galho de uma árvore. É torturante. Porque na verdade a vida é justamente o passar do tempo, não é uma coisa que ainda será ou que já foi. É agora. Nesse momento. O eterno processo que nunca cessa de passar. É a travessia rosiana. Por isso, admitir uma procura por algo que preencha esse agora, a vida mesmo, é assumir uma angústia implosiva, que impede a vida, que impede o tempo de ser ele mesmo enquanto vivemos.
Agora são 13:39h de um domingo comum e sem graça do mês de abril. Lá fora a cidade almoça, beija, sorri, transa, assisti televisão, joga bola, nada em piscinas, bebe em bares, ouve músicas em som alto, tudo isso em companhia, sem pensar na angústia que é estar sem fazer essas coisas. Esse tipo de coisa só se pensa quando não se vive. Esse tipo de coisa só se pensa quando simplesmente se respira o ar, o mesmo ar que enche os pulmões de seres que vivem neste exato momento, no mundo inteiro, fazendo diversas coisas e preenchendo o seu tempo. O que não lhes permite perceber o deslizar do mais fino grão de areia pelo buraco abaixo que fica dentro da ampulheta. E essa imagem, a da ampulheta, mostra bem o quanto o tempo é o preenchimento de alguma coisa, de um vácuo que se pode pegar e sentir. Por isso consigo pegar o tempo e sentir o seu nada, a sua falta de preenchimento, o seu ser, a imagem do deus Chronus.
E parece que tem sido assim há um bom tempo. Pois vejo o tempo sem nada nele, os dias, as horas e os minutos que respirei sem ter vivido. Não sei se será assim para sempre, mas pressinto que o para sempre é o agora, pois já não sei se depois, se não estiver mais pensando nisso, se perceberei o para sempre de agora. Nessa espiral urobórica, em que percebo somente seu meio, nunca o início e muito menos consigo enxergar seu fim, se é que existe, é que estou preso. E é assim que caio em si e me dou conta de que a liberdade é um conceito profundamente relativo, pois me vejo apartado de quase tudo e de todos e, ainda assim, me sinto preso nessa dimensão naturalista do tempo. Não quero ver o tempo passar, quero habitar o tempo que tenho com coisas, pessoas, lugares, sensações, sentimentos. Não quero ver o tempo. Quero viver!