Meu caminho para Damasco
 
Até ali me levou o olhar.
Não só os olhos que me permitiram escolher o caminho, mas também o significado contido em cada palavra que interpretava meu olhar, e os olhares daqueles que me interpelavam.
Foi assim que me constituí. Alienando-me nos olhos dos outros. E não tinha como não ser.
Pus-me então a caminhar na direção daquilo que concebi como missão. Tomei a estrada de Damasco e na referência a Saulo ou Paulo, como queiram, senti que a direção era correta. Mantive o foco. Olhos fixos na estrada empoeirada.


Durante o percurso houve momentos de clareza. Via com nitidez os detalhes das "minhas" escolhas. Sentia-me forte. Acelerava o passo e confirmava em meu interior "meus" propósitos.
Havia outros dias onde a poeira bailava no ar pesado da existência. Eram dias questionáveis. Estranho é que esses dias me propiciavam um fechar de olhos para proteger-me dos resíduos que ardiam as pupilas. Com os olhos fechados, abria-se a alma. Eram angustiantes esses dias, pois o passo era lento... a estrada não rendia e os fantasmas da minh'alma eclodiam, pois não havia a visão para distrair-me. Noites também eram um convite ao "meu" interior. Na friagem do chão nu, meus olhos não eram distraídos nem pelas estrelas. Outro órgão sensorial tomava lugar - "meus" ouvidos - e o estranho é que eles não captavam os sons já repletos de significados, mas elevavam os sons indecifráveis que povoavam e ainda povoam o meu interior.


Damasco não era perto e juro que em muitos momentos eu pensei que fosse atrás daquela curva. Damasco nem era um lugar físico. Talvez fosse minha alma, meu gozo, minha plenitude. Mas foram tantas curvas que me ensinaram que não seria fácil chegar até lá! Frustrante.
Cada dia, mês, ano que se passava me ensinou um pouco do que trago em meu interior. E foi assim que Damasco tornou-se uma referência e não um ponto de chegada.


Ah, a pergunta que não quer calar enquanto escrevo: será que caí do cavalo como Saulo caiu? A resposta é não. Por sorte tive a sensibilidade de ponderar visão e audição. Enquanto o imaginário promovido e intensificado pela visão me ludibriava e me formava como ser alienado, os percalços do caminho me possibilitaram fechar os olhos. As partículas de poeiras dispersas pelas tempestades do "meu" caminho permitiram-me fechar os olhos por alguns momentos e escutar uma voz interior. Era a voz do meu desejo. No início ela parecia assustadora - ensurdecedora. Tirou-me noites de sono. Mas aos poucos ela foi modelando-se a mim e eu a ela. Houve momentos em que ao abrir novamente os olhos, essa voz se ocultava. Ela tinha medo do olhar dos outros. Não cabia neste espelho difuso e convexo.
O caminho para Damasco foi, assim, uma escola de diálogo. Nele compreendi um pouco dessa voz e até dialoguei com ela algumas vezes. Ela me ouviu em diversos momentos. Ficava até com inveja das estrelas e um dia chegou a dizer: "não abra os olhos... simplesmente ouça-me incessantemente". Sorri para ela e reafirmei: "Não posso meu desejo... só "sou" de olhos abertos... quando eu fechá-los definitivamente serei todo seu... até lá, farei visitas diárias para um diálogo". Ela sorriu de volta e compreendeu que nunca me perdeu; como eu nunca a perdi. Só a reencontrei quando meus olhos eu cerrei para proteger-me das poeiras.


Foi assim que Damasco se deu em minha vida. Não houve cavalo para me derrubar, não houve uma chegada para celebrar, mas houve um caminho feito por mim que me levou ao centro de minh'alma.
Deste dia em diante, não era conduzido só pelos olhos... aprendi a ouvir meu desejo.
Fábio G Costa
Enviado por Fábio G Costa em 09/09/2015
Reeditado em 10/09/2015
Código do texto: T5376532
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