A Heresia Do Tempo

A heresia do tempo, que me condena, por este conto sem nexo, que explico: de viver num mesmo dia, uma semana. E tentar sentir dor e alegria, em súbito. Diz, o senhor do tempo, ser um ultraje desmoraliza-lo em frente à efêmera e amarga vida, que vivida então se finge, mas ser ordinária é o que dela se espera. Disse-me também, ele, ser condição moral, moldar-se àquela felicidade dos comuns: de possuir, simplesmente, vida sem sal.

-Oh, o senhor é quem mente! - Riem alguns. Ora, senhor das horas: há nenhum ser aqui para qual possa professar suas frias balelas e suas tristes mentiras- criadas a bel-prazer, para nos ver chafurdar no lapso das estrelas. E há mais que se diga da heresia do tempo, que nos condena por ser, da vida, fantoche, jogados a sorte, como fluídos, no momento. E se sentir rodopiar e cair, até a vinda morte. Também é um capítulo deste conto sem nexo, ter, numa ligeira noite, amor pra vida inteira. Sem eira nem beira, que se contemple o sexo. Um açoite pra alma, quando é segunda-feira. Saiba senhor, que o olhar do taciturno garoto, que se nota absorto, vive a mercê da crueldade do mundo que o cerca, e nos cerca um do outro. E ainda quer condena-lo, sem dó nem piedade? Mas o arrepender não tardará a chegar àqueles que se sujeitarem às falácias ditas pelo senhor. Oh, Dono do tempo e espaço, veja estes seres: entende que a velhice trará nada, além de dor? Que a vida é um motor, com hora pra parar, que encurta os extremos dos nossos anos. Um viver por engano, acaba por nos matar. Grande é a labuta, para sairmos sem danos.

Mas, deste conto sem nexo, conto o desfecho: tonto à beira do abismo, em um último suspiro, ao fechar os olhos e cair, firme bem o queixo. Navegue o passado, e sinta o que viveu; respire. Foi em vão tentar viver em sua própria utopia? Em completa alegria, numa harmonia interior? Viver sob a única regra de ter regra nenhuma? Acordar e ter o deleite de um sorriso em rubor? Do tempo que se fez esta heresia, torta e voraz. Diga-me, patrono das almas, nos confins da vida: há razão que seja para jogar tais sonhos ao mar? Prestes a voar, ter as asas cortadas sob medida? A queda, do abismo temporal, se fará amena, numa aura plena, em completude e gratidão. O choque, será em um chão de espuma branca, sem dor na anca, e mente em leve comunhão. Dos amigos loucos, boas memorias irão ficar. Dos anjos e santos, grandes vidas além-mar. O tempo não é para tanto, somos nós vultos. Para as pretensões humanas, somos insultos.