Coração de tempestade.

Adormeceram em mim, aqueles sonhos iniciais, pretéritos em lembranças quebradas de um coração velho. Um velho coração, que já viveu mais do que seus vinte e poucos anos. Inerte no tempo e no espaço.

E há muito espaço; ficou muito espaço.

Um vão irremediável que quebranta no infinito, desaguando em mim a melodia quase esquecida. Aquela de sonhos coloridos, portas azuis e névoa prateada. Aquela de amigos imaginários, não tão inventados, que povoaram sonhos, insônia e noites de café requentado no micro-ondas.

Aquela terra de fantasia já não existe mais. Foi desvanecendo no tempo, na medida em que as garras frias da realidade me alcançavam. Prenderam-se em meu tornozelo, ah, aquelas unhas duras e afiadas, arrastando-me pelos calcanhares.

O som cortante das minhas unhas arranhando pedidos no chão, mistura-se ao meu próprio grito de misericórdia.

Ainda quero ser a garota perdida em sonhos e fantasias.

Já era de se saber que sou um coração cheio de raios e barulho, luz e trovão. Não digo que meu sonho morreu, apenas abrandou-se em meu coração, como se este fosse feito de retalhos quentes e macios, como um cobertor.

Retalhos, ora, sim, muitos.

E, assim, vou costurando sonho e realidade, tentando fazer essa dor parar. Essa angústia de saber que a crença que tiveram em mim era nula, era vã e redutível. Foi ao pó. Findou-se, tal como um pôr-do-sol que descortina o laranja do céu.

Foi ficando escuro.

Cada vez mais escuro.

Perdi a inspiração.

Fico sentada aqui, esperando que logo regresse. Volte logo, sussurre um pouco de poesia em meus ouvidos desatentos. Ainda quero escutar. Murmure uma frase que me faça levantar e ir adiante.

Plante em mim aquela semente que meu peito anseia. O princípio da inspiração. A centelha da crença. O lampejo das boas coisas que, repentinamente, foi tomado de mim.

Semeia em mim o sonho que venho esquecendo. A beleza de viver que, desprendendo-se de mim aos poucos, amarga-me uma vida que era doce, de açúcar e amor.

Vem e fica.

Inspiração, minha inspiração.

Invada esse coração de tempestade, mas seja inteira e não metade.

E fica.

Fica.

Ana Luisa Ricardo
Enviado por Ana Luisa Ricardo em 05/09/2015
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