Madrugada de 24 de maio de 2015
Resolveu decorar o mundo de dentro e tornou-se bem mais feliz
O menino sério encara com o olhar severo a mãe que pega o chinelo mas nada faz. A mãe olha com olhar calmo o marido calvo e que também é alvo das fofocas locais: ele a trai com a vizinha, também com a filha do dono da mercearia e mais umas três ou quatro mais. O homem com olhar veemente e demente olha a mãe, olha o filho e fechando a porta de repente, sem despedida e sem pranto. Ouve-se um canto onipresente de corações indiferentes. Há um leque muito grande de opções para um só corpo frágil. Nada o faz mais indolente, pois tudo é prático e tudo praticamente aceito pelo patego que não consegue chegar ao arremate; lutar com bravura, encarar os monstros e o fogo. É xeque-mate para a mente fraca e sem vitória; é a faca do atirador maluco que sempre passava rente a cabeça da modelo zonza e giratória; mas hoje acerta. Só ve o que é justo pelo olho mágico da porta: o corredor cinza vazio, a lixeira azul marinho descascada e a escada assombrada. Os portões com trancas fortes de aço e aquele cadeado idiota que não segura nem vento, pois nem o vento fresco vem ventar, vem deixar refresco, nem o vento veio fazer companhia... Mas o monstro estava dentro de casa. Assim deixa maior ainda a sensação de desprezo de um sozinho na vida. Não Desafiou a tristeza, livrou e deu asas à destreza e descabelou a beleza... Agora, anos mais tarde com a visão que voa, quer abraçar a garoa gelada dando um sorriso quente – mas não à toa. Agora é tarde meu compadre; agora não só o circo pegou fogo como já foi restaurado. Agora o malabarista não usa mais bolas, joga dinheiro ao alto; o trapezista atravessa o céu de Pasárgada; o palhaço faz rir até quando dorme e o mágico tirou o amor da cartola. O menino sério acendeu e tornou-se poeta; o menino, agora homem, vive sua existência de sonhos e realidades fora do poço fundo de piche e breu. Agora nem risadas nem choros, nem indiferença tampouco diferença, nem uma reza de crença, nem a ciência de ateu ao homem que pelo caminho se perdeu. Agora olha com olhar sereno, risonho e ameno a mãe que ainda nada aprendeu.
André Anlub