A menina e o rio
E pelo caminho branco e batido, cercado de capim limão e flores do campo que nos levava da casa ao riozinho calmo,brotado ali mesmo de uma velha nascente, espremido entre touceiras de água de colônia,rio da minha infância,de cujas margens despencavam lânguidos os galhos das ingazeiras, “floridas” de meninos de dorsos nus e lábios arroxeados de frio, colhendo seus frutos de bagos brancos e aveludados,doce como o mel, íamos nós...eu e minha vó...ela,bacia na cabeça, moringa na mão, eu, só inocência e liberdade...pulmões cheios do ar rarefeito desse ar leve de beira de rio...e na beira do rio eu passava horas a fio...ora fitando meu rosto no espelho das águas,ora com o olhar perdido nos círculos que se formavam depois que atirava minhas pedrinhas bem lá no meio,até onde meu braço alcançava....depois ia devagarinho,deslizando no limo da pedra, lá pro meio da água...e não me cansava da luta inglória de tentar pegar pelas asas as libélulas coloridas,aquelas bailarinas de asas transparentes,que para mim eram pequeninas fadas...e lá longe,na curva do rio,onde podiam ir os meninos maiores,livres, eles mergulhavam e voltavam com seus achados da areia...uma semente,um galho,uma pedra reluzente...e no bater ritmado da roupa branquinha na pedra já lisa de tanto trabalho,minha vó dizia:
- Cuidado, menina! O rio é traiçoeiro, água não tem cabelo...
e eu pensava como podia minha vó falar assim,sem amor do meu rio...mas hoje,tantos anos passados eu diria do rio da minha infância,poema que nasceu na serra,água doce em prosa e verso...
-Não vó... O meu rio não é traiçoeiro... ele é companheiro...apenas esconde mistérios...os mistérios indecifráveis que traz no seu leito....ele carrega em sua passagem pelas campinas,vales e aldeias as histórias de pescadores e ouve solene o canto da sereia...ele é amigo do vento que o ajuda a seguir soprando as velas,é confidente do solitário canoeiro...ele escuta sem queixumes as cantigas e guarda os segredos e os contos de amor e de dor das lavadeiras... e depois despeja no mar as lágrimas da moça que chora em suas margens o seu bem querer que o tempo levou... ele afoga em suas águas as mágoas dos navegantes desesperados e sem rumo...Não vó, o rio é manso e bom e desliza suave pelos lajedos...e se o rio se embravece, não é por ele...é a chuva que o atormenta e o faz invadir as casas e pular da ponte...o meu rio é doce,vó ,mas o rio é como o tempo...é preciso ter cuidado com o que faz com os dias e com o que se lança nele,por que rio e tempo são iguais...passam levando tudo e não voltam jamais!Saudade do meu rio e suas histórias ...rio que desliza como como fonte serena pelos caminhos tortuosos da minha memória!
Agnes Flores