[Modos de Narrar a Vida]

[E assim, pedaços de meus sonhos vão se desgranando vida afora...]

Coitada da Maura, hoje cedinho,

ela foi apanhar umas laranjas-da-terra

para fazer doce de casca,

e vejam só que malvadeza:

o marimbondo-tatu tinha feito casa lá,

não gostou nem um pouco do agito dos galhos,

e, muito dado na braveza, não fez por menos —

deu uma pregada daquelas nas costas da Maura!

[Também pudera — aquelas carnes macias,

aqueles olhos sorridentes, calmos,

aqueles lábios tão rosados,

aqueles cabelos castanhos lisos —

e quem é que resiste? Quem?!

Nem marimbondo-tatu, uai!]

Ah, Maura, não chora não que eu vou lá,

eles vão pagar caro pela braveza!

vem cá, deixa eu soprar pra você,

deixa eu passar uma aguinha fresca...

Respirei — peguei o meu estilingue e fervi de pedradas

a casa de barro dos marimbondos-tatus,

até as inocentes laranjas-da-terra sofreram!

A casa deles ficou lá, quase destruída,

e o rego d'água levou as casquinhas de barro!

Mas de tardinha, sobre o barro que restou no galho,

eles já haviam consertado os estragos.

E, mesmo remendada, lá estava a casinha —

eles sobreviveram ao meu ataque!

Ah, o meu corpo, esse barro com sopro de vida,

essa frágil casa-casca, palco das minhas esturdices,

vai sendo demolido pelo tempo, pela estrada...

Quem me dera eu fosse como marimbondo-tatu,

quem me dera que sobre os escombros de cada dia,

como Sísifo que torna a rolar a sua rocha morro acima,

eu pudesse reedificar, remendar, reconstruir a minha casa...

Mal [me] haja a sobrevivência que inutilmente almejo...

[Do meu quintal de ilusões eu voei... faz tempo!].

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[Penas do Desterro, 21 de junho de 2007] ]

[Excertos das minhas "Vigências do Sertão" — Variante 1]