Palavras

Palavras determinam quem nós somos

Palavras mal ditas, mal proferidas amaldiçoam os que ouvem

Palavras sangram a alma

Adoecem o espírito

Amargam a vida.

As palavras perderam o seu lugar e importância

Sua dignidade e sua esperança

Palavras são ditas como coisa à toa

Palavras se materializam

E constituem pessoas

Alimentam sonhos.

E no esforço de preencher as lacunas da minha infância

Eu tenho escrito como quem pinta um grande quadro

Cheios de cores vermelhas intensas

Que escorrem pela tela lentamente

Sem cessar.

Tenho usado as palavras para não me esquecer

Para resgatar de mim mesmo,

Aquele garoto perdido por tanto tempo

Sem uma voz,

Sem um pensamento que o salvasse de si mesmo

Sem um lar.

Com as palavras me defendo

Das tempestades que chegam sem avisar

E violentamente desmontam todo o meu castelo de alegria

Que era feito de areia.

Palavras podem nos cortar como navalha

De cima abaixo sem anestesiar

É o que tenho visto e lido

Sem uma pausa,

Sem tempo para processar.

As palavras sangram desejos esquecidos

Trazem a tona, medos escondidos do medo

De fracassar,

De enfraquecer

De cair e levantar

De ver o próprio narcisismo partindo para outro lugar.

Palavras podem torturar crianças

Que em suas santas ingenuidades

Cantam sonhos e deliram num mundo onde hão de se suicidar.

Mas as palavras preenchem temporariamente as lacunas

Deixadas pelas faltas e pelas misérias na infância

Pelo terror vivido em fase de magia e segurança.

Palavras calam temporariamente essas vozes obsessivas

De espíritos que acordam feridas anestesiadas

Ou adormecidas.

Ou apenas esquecidas.

Palavras escorrem da caneta

Como a lágrima que insiste em escorrer em minha face.

Seja a giz ou lápis,

Palavras nos salvam de grandes internos desastres.

Mas as palavras trazem à tona

Dores latentes no tempo e no espaço do inconsciente

Nos fazendo recolher em nossos mais sombrios sentimentos.

Palavras nos queimam como brasas

E através delas, podemos ressurgir das cinzas

E das trevas,

Podendo nos reerguer com um semblante mais preenchido

Pelos os contornos que damos

E não pelos contornos que nos designaram e que nos enquadram

Quem sabe, surge um rosto mais autêntico?

Mais nosso?

Quem sabe do pó da dor que resistimos

Nós renascemos com mais força e mais voz?

Palavras expressam mortes constantes

Exprimem a angústia da praga que carregamos

Da existência que assombra e mata a consciência

Nos roubando a sanidade,

Nos estuprando o controle

Nos deixando totalmente à deriva de nossos monstros

Totalmente à mercê dos loucos suicidas.

Eu tento me reciclar com boas palavras

Palavras que me derrubam, mas que me elevam

Palavras que me faz enxergar o quanto ainda estamos cegos.

Então eu vou catando cada pedacinho de mim

Pelos cantos dos meus pensamentos

Eu sei que poderei resistir

Se eu tiver um relacionamento honesto com as palavras.

Quem sabe desta relação de vida e morte

Surjam sorrisos autênticos e pinturas mais alegres?

Ou até mesmo bons pensamentos?

Para um bom sonhador melancólico

A vida só tem sentido se houver bons versos.