PARÁGRAFOS

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Certas noites particularmente amargas, ele ainda aparecia na janela. Mas jamais deixou de escrever as suas poesias, que ao longo do tempo virou pó sobre todos os móveis.

Riscava no chão, na terra seca, onde a moça da perna comprida desaparecia no ar, que o pesado do sol a retinha. Riscava à carvão qualquer pedaço daquele barraco. E num canto se via dois porta-retratos contendo informações sigilosas por dentro do papaelão roto que os prendiam no tempo.

Parou. Respirou. Olhou atento as escritas sofridas e singelas. Duas delas o martirizavam enquanto com esforço tragava o seu cigarro. Preferia o ópio flagelando a sua carne e o crucificando de tanto prazer. Queria aquele lance gostoso, queria o gozo, queria o tudo. Até a dor contínua feito motoserra.

E chorou.

E veio a poesia ao seu encontro e o confortou. Duas asas invisíveis; um acalanto sereno; um beijo longo; uma dália enfeitando o parapeito da janela. E os perfumes que cozeram-no naquelas lembranças como se fossem os anjos assoprando toda a poeira deixada nos "meus" móveis.

"Se ele fosse ajuizado; jamais o quereria de volta. Mas adoro os "porra loucas", fazer o quê"?

_ Deixe que eu adivinhe a que veio; as palavras se ajeitam nessa frincha da janela; te buscam com o olor de todas as madrugadas onde caminhávamos dentro da floresta. Deixe que essas asas te voejem, que te dê todo o fluxo de um bom tempo _ lembranças eternas. As dálias jamais se fecham ou fenecem quando se desprendem as suas pétalas.

Seria assim o amor transcendental? Mesmo sem respostas, os seus olhos fixaram-se àquelas mensagens escritas com o sangue dos meus veios.

Era o coágulo de um tempo. Um souvenir amoroso. Um elixir descendo rascante na minha garganta. _ O delírio de duas mariposas volteando o abat-jour. E no meu livro, não tive coragem de seguir com a leitura. Esqueci o outro parágrafo.

Comigo - Zeca Baleiro