Reflexo de Anita
*N.A.: Indico que vejam o quadro "A Boba" de Anita Malfatti.
Eu me via ali. Aquele olhar de crítica, não de tristeza, de incredulidade, mas sem total fragilidade... Esta, guardamos no nosso íntimo, entre quatro paredes que escutam, mas não constrangem. Aquela palidez era de não ver mais em si mesma a garra que tinha para enfrentar qualquer que fosse o problema e não de fraqueza. Aquela boca já um tanto caída, que outrora disse o mel, disse a paz, disse o amor, hoje já não traduz um belo sorriso. Sofreu e não pode ser egoísta aos outros. Retratou-nos.
Eu me lia ali. Pobre, Alphonsus... Abandonado de maneira triste por sua amada imaculada. Tanto amou, que não cabia dentro de si tanto sentimento. Então escreveu e em cada palavra, cada rima, cada som, não estava só ele. Eu também estava, todos em diversos momentos poderiam estar.
No final das contas, já sabíamos que escolher viver amando era um risco, era um tiro no próprio pé. Aquele nosso sábio velho amigo dizia para não amar demais, não exagerar na paixão, não se entregar de corpo e alma e também não sofrer com sua partida. O amor em excesso é fútil, é vilão da felicidade, certo Epicuro?
E se eu disser que de todo o sofrimento não houve ganho, seria uma grande mentirosa. Cada tombo nos acrescenta força. Anita ficou presa no amarelo do retrato. Guimaraes decretou um eterno luto às catedrais. E quanto a mim, viverei um passo de cada vez. Sem luto, sem desespero, sem ânsia.