Vivendo há penas
Hoje, como sempre, estou perplexo com o que não vivi.
Sentado na sala de uma casa que nunca foi realmente minha, percebo, finalmente, o efeito da vida em mim.
Um bom poeta olharia pela janela e veria flores, pássaros e uma linda donzela, de seios hirtos e colo de marfim.
Um poeta inigualável veria a vida como ela é, e falaria da finitude do homem em relação a perenidade da arte.
Eu não vejo nada disso.
Dizem que os olhos são os espelhos da alma, mas os meus foram cegados pelo mundo que me cerceou.
Meus olhos tão negros quanto a noite, apesar de terem sido castanhos e claros um dia, mostram que agora devo ser por dentro o que antes não existia,
Ainda consigo perceber minha consciência seca e fria, como o grande deserto que sou, mas estou prestes a não sentir mais nada do que me a vida transformou.
O deserto de mim mesmo, feito tolamente das coisas que jamais fiz ou que deixei morrer em mim a esmo.
Todos os pássaros famintos que voejavam sobre minha cabeça e eu nem notei, absorto que estava em sentir apenas tudo aquilo com que jamais sonhei.
Todas as flores que murcharam na minha presença e sequer entendi, quando bastaria uma lágrima de felicidade para que elas florescessem onde nunca vi.
Todas as gotas de chuva que se derramaram por minha cabeça indo até os meus pés, e eu que nem olhei para cima e matei a sede que me consome de lés a lés.
Todas as nuvens que estiveram paradas me esperando no céu escarlate, para que eu tentasse decantá-las como se fosse um vate.
Todas as manhãs que assistiram ao nascer do sol e o cântigo da cotovia, enquanto mantinha os olhos fechados sem contemplar a beleza de um novo dia.
Todas as noites em que o Sol se recolheu já cansado de tentar me iluminar e aquecer a alma e o corpo, enquanto eu decidia esperar pela luz de um novo porto.
Todos os sorrisos que não dei e as palavras que não proferi, por medo de sorrir mais do que podia ou de que meu falar fosse o qque menti.
Todo o amor que não nutri por mim mesmo e que percebi existir nos olhos tristes de meu velho pai quando se despediu de mim.
Tolo que fui, ao deixar esse mundo futil me afastar do que amei de verdade e ao preferir sobreviver a viver.
Procurei abrigo onde não existia nada mais do que mentiras e falsidade, como é bom poder entender que não existe amor sem verdade.
Apenas um amor de pai ou de mãe pode ser capaz de verdadeiramente perdoar, mesmo quando as lições não são assimiladas;
Como era bom errar e após um sermão rápido e doce saber que se estava perdoado e pronto para errar de novo e de novo e de novo.
Ver uns olhos verdes sorrindo orgulhosos enquanto me pareciam querer ficar tristes para que eu entendesse que não deveria errar mais.
Meu velho pai, como me faz falta caminhar ao teu lado pela mata certo de que nada me poderia atingir contigo ali.
Que falta que nos faz ter essa certeza de que alguém está ao nosso lado e que jamais irá nos abandonar, decepcionar ou deixar de amar.
Hoje não há mais lugar para o perdão e tampouco para o amor incondicional, a vida não ensina quando não se quer aprender;
A vida não transforma quando não se quer mudar, mas a vida cobra muito além do que imaginamos e não há como deixar de pagar;
Hoje estou pronto a pagar todas as minhas dividas, só ainda não sabia como, até finalmente entender tabacaria;
Não vou pagar com a vida ou com a alma, mas quando encontrar a mim mesmo perdido nesse imenso deserto que me fiz.
Porto Velho, RO, 12 de agosto de 2015.