Breve reflexão sobre mim
Se eu não conhecesse como sou
certamente veria em mim traços de outro
Meu olhar sobre mim, não revela minha natureza
Sou humano, sei disso
Tenho pés e mãos perfeitos
Olho os objetos com meus olhos
e observo na retina
o que deles em mim se fixa
Tomado dessa certeza, banal, diga-se de passagem,
não posso acrescentar mais nada
sem que dessa operação, Eu
seria outro que habita meu corpo
Por várias vezes busquei me ver
parado defronte ao espelho;
não vi outra coisa senão, e apenas,
um homem grisalho, pele envelhecida,
cabelos com o volume que outrora me caracterizava
Confesso que essa experiência
impõe reflexões que quando eu era jovem
não repousavam em minha mente;
Não havia o amanhã, nem o ontem, apenas o presente
O tempo hoje dialoga comigo como um amigo cúmplice
Nada que eu faça, mesmo que eu queira,
desabita em mim algo que quando jovem, passava como nuvem
Como eu disse: o tempo dialoga comigo como um amigo cúmplice
Somos, por assim dizer, veia e sangue,
dependemo-nos simbioticamente
Eu e o tempo existimos em nós,
o fim de um, terá o outro ao lado
Existir-se, me parece ser a única experiência
que nos empurra a caminhar pelo mundo
Sem essa constatação, penso que nada exista; afinal
Existir é em si uma imposição do tempo
Se eu fosse filósofo, diria que Existir só possível
se se pensar que se existe
Não há magia nesse processo
Não há mistério, nem teoremas ainda desconhecidos
Esse simples ato de pensar, acredito,
parece ser o elo perdido desde que existimos
Observar a lua, pisar na grama, deliciar-se com a flor
são mecanismos que só se revelam
no instante em que pensamos nessas ações
Disso não poderei negar:
que existo porque penso existir
Assim, eu e o tempo, existimos em nós,
como veia e sangue
ou como uma pele que nos reveste num só existir
A choupana no topo da montanha
ou o rio que corta a aldeia,
só existem porque assim eu quero
Posso saber que no Nilo travaram-se batalhas
Posso saber que do Tejo, embarcações saíram para os mares
Mas, nada existe se eu não pensar nisso
Quando olho no espelho não sou eu que está ali
Ali se encontra o Outro eu, que me olha e me faz existir
num tempo que eu não sei qual é,
mas, que me toma e de mim se ocupa
enquanto tempo existir