Porre de Realidade
Depois de ter tomado um tremendo porre de realidade, acordei com uma ressaca infernal. Em meio a essa ressaca comecei a sentir saudades...
Saudades da minha mente sem máculas e cicatrizes, minha mente ainda virgem, quando sonhava confiante com aquele cavalheiro andante que passava em frente a minha janela e enfeita-me os cabelos com gardênias.
Uma saudade quase boba daquelas coisinhas mágicas que toda criança e mulher têm, quando ainda não foram castradas, amputadas ou deformadas pela maldade que ronda essas pequenas coisas preciosas.
Saudade daquela confiança tão minha, aquela confiança pura, ainda sem a perversão analítica e profunda que se desenvolve nos adultos.
Saudade daqueles dias sorridentes que se estendia à minha frente como tapete de magia. Saudade de sentir-me ventre, aonde é gestado sonhos e sorrisos de querubim...
Hoje senti saudade de mim! Saudade da suavidade do meu olhar, da doçura do meu sorriso, da leveza dos meus gestos, saudade daquele meu mundo poético aonde tudo possível e permitido, aonde os pássaros, borboletas, flores, pirilampos, me entendem, e dialogam bem de pertinho, sem os muros, pontes, e os abissais abismos que vincam a felicidade e multiplicam a magoa, a dor, o rancor, o remorso, a culpa e a infelicidade...
Saudade de ver a poesia escorrendo pelos meus dedos, como flor desabrochando, se espalhando a minha volta formando um jardim de cores...
Depois da tremenda ressaca, eu acordei de novo em mim.
(Edna Frigato)