Delírio Metalinguístico
Sentar na cadeira desgastada em frente a uma tela LCD e esperar que meus dedos se movam para as teclas certas criando magicamente sentenças arrebatadoras, dar play numa música meio mística e torcer para que suas ondas sonoras venham repletas de inspirações para frases geniais e tiradas cheias da mais fina ironia que marca os grandes autores, esse sou eu numa madrugada qualquer. Dedico-me a preencher o espaço em branco no monitor com essas inócuas palavras latinas, tentando carregá-las de emoção e pretensão, fazendo de tudo para que alguém, ao lê-las, sinta o mínimo farfalhar que seja. Despejo retóricas vazias, certo de que elas se parecerão com algo importante, que chegarão a uma conclusão reveladora... Pobre tolo, pobre alma.
Nesse momento me sinto tentado a filosofar, a imprimir no texto alguma lição moral ou reflexão de profunda espiritualidade, só para sentir que todo esse batuque no teclado tem algum propósito, só para justificar por que estou defronte um computador às 02h44min da manhã, e a resposta a tal questão que deveria ser banal e sarcástica, com um toque de escárnio, natural aos de grande intelecto e desprezo pelo mundano, como eu, não o é; a resposta se faz, ao reverso, um atestado da falta de sensibilidade e iluminação poética daquele que almeja além do que pode, o pobre escritor que, tal qual um trovador à sua musa, tenta seduzir as palavras, se humilha a elas, mas não recebe a mínima atenção, pelo contrário, é renegado, e como maldição carrega em sua escrita esse mar de clichê e mau gosto que testemunha agora o leitor persistente. Oh, as palavras são feras, como é cruel sua natureza e quão bela é sua selvageria, sua resignação à domesticação, seu apreço pela liberdade; raros são os que lhe domam e fazem delas o que bem entendem, mais raros ainda são os que lhe seduzem e as tornam suas companheiras servis, e o que dizer então daqueles que conquistam a glória suprema dos escritores: o amor das palavras? Ah! Não mais me torturarei com esse ciúme de amante rejeitado, a verdade é que sou um caminhante perdido no deserto e as palavras são a sede que devora minha garganta, a ilusão de alcançar o oásis me mantém vivo, mas não finda minha agonia. Palavras, minhas musas inalcançáveis, meu amor platônico.
- Ouçam meu delírio: As palavras abrem os braços para mim, me acariciam uma letra por vez, me beijam suavemente, me tratam como fazem aos grandes mestres. Elas me levam à cama num soberbo espetáculo de paixão e erotismo, nossa união se dá inflamada por uma volúpia sublime; do nosso gozo jorram as mais belas metáforas, as mais sutis assonâncias, as mais fabulosas rimas, ah, é o paraíso, a glorificação, a apoteose. As palavras, enfim, me deixam sem palavras. –