A Tinta e o Sangue

Ricardo Russo tinha o nome ornamentado,

João Du era indigente e favelado,

Ricardo Russo desenhava museus contemporâneos,

João Du expressava o que vinha do subterrâneo,

Ricardo Russo escrevia artigos teóricos

Descobrindo técnicas do sec. X em monumentos da arte,

João Du atuava em poemas meteóricos

Colorindo a dramaturgia das ruas de qualquer parte,

Ricardo Russo estudou com mestres de seu país

Depois concluiu sua educação no exterior,

João Du se construía instável e sem diretriz

Como um estrangeiro onde quer que fosse

Vivendo para fora os sonhos de um teatro interior,

Ricardo Russo falava vários idiomas e viajou o mundo

E se tornou um grande educador de plateias

Doutrinadas pela invenção de ethos do próprio educador,

João Du morou em cômodos do fundo

De bares latino-americanos lecionados por medeias

E mambembes de Macondo com ditirambos do torpor,

Ricardo Russo viajava o mundo para conhecer lugares novos

E proclamar suas certezas incontestáveis,

João Du perambulava onde alcançasse suas pernas instáveis

Viajando por lugares gastos por ele para ter olhos novos,

Ricardo Russo levantava bandeiras jamais equivocadas

Pois qualquer contradição filosófica

Era retoricamente justificada ao seu discurso,

João Du era iconoclasta de si em bandeiras rasgadas

Por uma permanente desconstrução caótica

Paradoxalmente construindo o agora como seu percurso,

Ricardo Russo gastava muita tinta para se expressar,

João Du gastava muito sangue para si doar,

Ricardo Russo tinha uma ilha para apresentar

Seu magnífico espetáculo de fantoches,

João Du tinha a vida para representar

Tragédias cômicas no século do deboche,

Ricardo Russo definia o que era arte

De acordo com cem mil definidores

E discutia como se deve fazer

Segundo as regras dos antigos mestres referenciais

Em salas e redes engravatadas

Vestidas com roupa de poesia

Distinguindo de qual casta cada um faz parte,

João Du era leigo diante as leis da arte

E praticava a expressão do que sentia com amadores

Que chamados de artistas ou não, faziam com prazer

Se inspirando nos desregrados monumentos colossais

Que tiveram também apedrejadas pelas gravatas

Seu trabalho antes da póstuma teoria

Colocá-los em uma estante como regras e chama-los de arte,

Ricardo Russo tinha um currículo invejável

Como uma epopéia de um semi-deus em exposição,

Era na tinta que escrevia-se um grande homem no papel social,

João Du tinha apenas a vida palpável

Em suas mãos fartas na potência de ação,

Era simplesmente de carne e sangue, um mero mortal.

Leandro Tostes Franzoni
Enviado por Leandro Tostes Franzoni em 29/07/2015
Reeditado em 29/11/2023
Código do texto: T5328357
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